Uma Agulha No Palheiro


Tendo andado afastado dos livros nos últimos 2 meses, por vezes é necessário uma obra para nos trazer de volta a algo que sabemos que nos dá prazer.
Não tem que ser uma grande obra: tem sim que ter o poder de nos sintonizar com ela para assim, voltarmos a viajar juntos e voltarmos a entrar no rumo.

Acabei no fim de semana de reler Uma Agulha No Palheiro (The Catcher In The Rye, 1951) de J. D. Salinger. A primeira vez que o li foi em inglês e não entendi tu (que me irritou um bocado, mas como tentava ser fluente em inglês na altura, valeu o esforço). Agora, 6, 7 ou 8 anos depois (não sei bem), comprei a edição antiga, reli e gostei.

Holden Caufield, um adolescente de 16 anos problemático, é expulso (uma vez mais) da escola interna que frequenta 3 dias antes das férias do Natal e, não tendo coragem de ir logo para casa, vagueia durante 2 ou 3 dias por Nova York. Nessa deambulação conhece um conjunto de personagens mais ou menos marginais, bem como reencontra antigos/as colegas.
Todos estes encontros contribuem para reforçar a sua insegurança, pessimismo e falta de autoestima. Tudo o irrita, tudo o aborrece, tudo o impacienta. O mundo é para Caufield um lugar por onde se arrasta e onde sente não ter lugar. Sente-se à margem da realidade, como observador exageradamente crítico.
Um livro da "crise da adolescência" por excelência, Uma Agulha No Palheiro narra a história, na primeira pessoa, de um jovem que se encontra em conflito profundo com a geração dos pais, que se culpa pela morte do irmão Allie, que adora a irmã mais pequena Phoebe e que critica o destino "Hollywoodesco"do seu irmão D.B., ao mesmo tempo que lhe admira a coragem por ter perseguido o seu sonho (algo que nele fica sempre em projecto).

Para além do tema (e da linguagem bastante arrevesada) também na forma Uma Agulha No Palheiro foi uma revolução com as sucessivas repetições e ingenuidade e reflectirem a estrutura e sequência do pensamento (é assim que pensamos quando pensamos sozinhos: sem contraditório, repetimos em flashs o que pensamos de modo a reforçar uma ideia e formar uma opinião). 
As divagações, uma constante não escrita da nossa forma de combater a solidão, também se encontram expostas nestas páginas.
E tudo isto sem nunca cair no tédio ou em floreados mais ou menos literários.

Uma obra que vale a pena ler e/ou revisitar, escrita por um homem que escolheu a reclusão (pública) como modo de vida, e que apenas publicou 3 ou 4 livros em vida. Clássico mais americano do que mundial, Uma Agulha No Palheiro (À Espera No Centeio na reedição portuguesa mais recente) continua, além de universal, muito actual.

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