O sonho que muitos de nós temos em fazer um dia algo de importante (por vezes confundido com um outro sonho: o de nos tornarmos um dia alguém importante), entra-nos por vezes pela porta do consciente, em vez de de se apoderar da nossa mente como delirante divagação à hora de adormecer (em vez de contar carneiros).
Senti esse apelo quando vi ontem o filme Malcolm X.
Activista dos direitos humanos nos EUA nos anos 50 e 60, Malcolm X foi sobretudo um activista dos direitos dos negros. Só numa fase muito posterior percebeu que as pessoas são pessoas, independentemente da sua cor ou religião (o islamismo foi a forma que Malcolm encontrou para endireitar a sua vida nos anos que passou na prisão).
Não muito cedo, percebeu a podridão da intriga e da luta pelo poder, mesmo dentro "dos seus", e essa percepção, que teve origem na sua família, constituiu o início da viragem na sua vida, em que "os seus" passaram a ser todos os homens.
A transformação de delinquente para um homem de cultura e depois, de um homem limitado (e incitador da violência) para um verdadeiro representante do amor universal (porque não basta a cultura para alargar as vistas a quem simplesmente persiste na insensatez) são notavelmente representadas por Denzel Washington, numa enorme interpretação.
O filme é longo demais, na minha opinião: os cerca de 185 minutos podiam ser encurtados para 140 ou 150 minutos. No entanto, a excessiva duração do filme não é motivo suficiente para estragar a história nem a (segura) realização de Spike Lee.
Malcolm X não teve a grandiosidade de Luther King nem a bondade inata que este possuía, mas teve a inteligência necessária, embora tardia, para reconhecer e corrigir os erros cometidos, e pagou por isso o mais alto preço. A esta inteligência chama-se humildade, e não está ao alcance de todos.
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