Memória de uma imagem


Poucas vezes, muito poucas vezes, consigo captar o efeito que consigo numa fotografia.

O facto de ser mau fotógrafo não invalida que, por vezes, uma película resulte como a imaginei no momento de captar a imagem. Aconteceu-me em Londres.

No dia 14 de Junho passado, num fim de manhã em Saint James Park, próximo da entrada sul, vi este quadro e num apanhei-o. O casal, a árvore, o lago, o verde, a luz e as sombras (estes, apenas por sorte ficaram bem na foto), tudo resultou como eu estava a ver. Tudo me faz lembrar Londres, aquele momento, último dia das mini-férias em que despi a roupa de turista e voltei a conhecer a cidade.
Tinha vindo dos Cabinet War Rooms e acabara de ver o render da Guarda a cavalo. No dia anterior havia visto Les Miserables: a minha estadia em Londres estava mais do que justificada, mas, tanto como os museus, os musicais ou a Guarda Real, também estes momentos captam parte do verdadeiro espírito londrino.

Se tivesse que dar um nome à fotografia, podia pensar no casal de idosos que haviam vivido uma bonita história durante toda a sua existência, que o parque, aquele banco lhes recordaria os tempos de juventude, onde, nos intervalos dos bombardeamentos alemães sobre a cidade, se encontravam subrepticiamente.
Podia acreditar que o homem e a mulher não se conheciam, antes daquele dia, mas que se apaixonariam no momento em que captei a sua imagem, olhando para o lago, cada um deles pensando como tomar a iniciativa de estabelecer o primeiro contacto sem dar ares da ridicularidade perante a idade.
Podia pensar que todos os dias àquela hora, ambos se vinham sentar naquele banco de jardim, sem nunca terem trocado uma palavra. Ambos eram casados e o dever de outra era era mais forte do que a curiosidade em explorar uma nova vida. Contentavam-se, humildemente, com a presença um do outro, como quem prevarica sem violar o acto sagrado dos votos que fez, ficando a meio caminho de um remorso que não evolui.

Podia imaginar que era simplesmente a imagem com que me queria despedir de Londres, queria algo que resumisse o meu sentimento nessa viagem. Nesta foto sinto isso mesmo: uma despedida como queria que ela fosse: tranquila, bela, de certo modo, poética.

Tudo o resto será, sempre, fruto da minha imaginação.

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