R.I.P. Mr. JB





Após ontem ter elogiado Ennio Morricone através da memorável banda sonora de Cinema Paraíso, soube esta manhã da morte de John Barry, outro peso pesado da música cinematográfica.
Existem coincidências que o são na realidade. Outras não são mais do que uma chamada de atenção para que nos apercebamos de que há coisas que não acontecem por acaso. Não acredito que tenha sido uma coincidência eu ter-me lembrado de escrever sobre uma banda sonora pouco após a morte de John Barry.
John Barry possuía a dupla qualidade da regularidade e mestria.
Muitos artistas possuem um conjunto de boas obras: dizem-se regulares (ou respeitáveis). Outros, com uma ou duas obras de mestre, nada mais têm com que preencher o portfólio: serão para sempre lembrados... por um único trabalho.
Depois, há os que congregam ambas as qualidades: The Beatles, Mozart, Alfred Hitchcock, Steven Spielberg, Ernest Hemingway ou Herman Hesse são disso exemplos.
John Barry situava-se a caminho deste patamar divino: imprimia a fina qualidade de génio ao que fazia. Faltou-lhe a quantidade para se sedimentar na galeria genial.
Ainda assim, levou 5 óscares da sua vida de trabalho.
Embora eu não conheça mais do que uma dezena dos seus trabalhos, ele possuía, para mim, o mérito raro de fazer conviver nas suas partituras o Épico e o Sentimento - I Had a Farm in Africa, do filme África Minha preconiza esse casamento como nenhuma outra das suas obras.
Outros autores, como John Williams, Maurice Jarre ou Ennio Morricone por exemplo, compuseram belas bandas sonoras, ora Épicas (Lawrence da Arábia, A Guerra das Estrelas, Indiana Jones) ora Intimistas (ET, Dr. Jivago, A Lista de Schindler, Cinema Paraíso), mas não Épicas e Intimistas.
John Barry conseguiu conjugar ambas as características em alguns dos seus trabalhos.
A música de Danças com Lobos foi o seu Canto do Cisne. Lembrá-lo-ei nas músicas dos primeiros filmes de James Bond que vi, enquanto jovem adolescente, sem saber quem estava por trás daquele reportório fantástico que tinha From Russia With Love - do segundo filme da série: 007 - Ordem para Matar - como expoente máximo.
Contudo, o meu trabalho favorito de John Barry deu-se em Born Free (cujo título em português é Uma Leoa Chamada Elsa) o qual lhe valeu os dois primeiros óscares da sua carreira em 1966 (banda sonora e canção original). Talvez pela simpatia que senti pelo filme, talvez pelas magníficas paisagens de África (algo presente por mais de uma vez na filmografia de Barry), talvez pela história real que retrata, talvez pelos intérpretes Virginia McKeena e Bill Travers serem muito mais do que isso.
Além de serem casados na vida real - tal como no filme - ambos fizeram realmente parte de uma organização de protecção da vida selvagem em África, tendo contribuído para a introdução em terra selvagem de Christian, o leão comprado no Harrods por dois irmãos e que se tornou demasiado grande para uma vida contra-natura em cativeiro.
Born Free é dos poucos filmes de família que me marcaram.
Se a Arte constitui uma fuga à realidade ou a expressão máxima desta, ainda não o consegui descobrir. A avaliar pela vida de John Barry, seja qual for a resposta, ele conseguiu conjugar a Arte com a Vida: deixou mulheres (foi casado 4 vezes), filhos e netos; deixou uma obra memorável. Talvez a Arte e a Vida se complementem. Se assim for, John Barry atingiu esse fim na perfeição.
Sinto já saudades, não do seu trabalho, porque esse perdurará nos CDs e nos filmes que poderei sempre revisitar, mas da doce esperança que constitui o aguardar a saída de um novo filme com a sua banda sonora. Essa esperança apagou-se mas, como com todos os grandes artistas, a obra fica.

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