Parte II - O Enigma e o Espelho

A Existência merece ser celebrada.
Nem que para isso seja necessário um anjo para nos orientar na busca e assim tentarmos decifrar o enigma e conseguirmos ver além do espelho.

- A coisa mais misteriosa é aquilo a que vocês chamam “memória”. Com ela podes, por exemplo, reconhecer uma pessoa que viste há muito tempo. Se tu voltasses a encontrar aquele empregado de mesa que te fez gracinhas no cabelo numa praça de uma grande cidade, não o reconhecerias logo entre centenas de pessoas?
- Também estiveste em Creta?
Ele anuiu dizendo:
- Se tu estás numa sala ou em Creta, isso é irrelevante para mim. Reconhecê-lo-ias ou não?
- Lembro-me muito bem dele.
Ariel acomodou-se na cadeira:
- O que é que sentes quando te recordas de uma coisa? Que acontece com todos os átomos e moléculas na tua cabeça? Julgas que eles voltam ao mesmo lugar em que estavam quando aquele episódio se passou?
Cecilie ficou boquiaberta de espanto:
- É a primeira vez que penso nisso.
Ariel estava a ficar impaciente:
- Crês que os seixos da praia podem recordar como estava tudo dois minutos antes?
- Nem pensar. Nada é mais fácil de esquecer que o sítio que os seixos ocupam na praia. Além disso, as praias não se recordam de nadinha.
- No entanto, os átomos e as moléculas da tua cabeça recordam-se de coisas que se passaram muitos anos antes e, ao longo dos tempos, um número incalculável de novos pensamentos e recordações terão entretanto afluído. Não serão os pensamentos ou recordações senão os seixos da praia da consciência?
Cecilie contorceu-se:
- Tu também te recordas. Disseste que o meu avô teve pneumonia…
- É verdade, mas a minha alma não é constituída por centenas de milhares de átomos e moléculas.
- De que pensas que é feita a tua alma, então?
- Ela emergiu da mente divina.
Depois de reflectir, Cecilie disse:
- A minha alma, que é composta de átomos e moléculas talvez tenha emergido também da mente divina.

Comentários