Entr'acte (entre o cinema e o jantar)

Após a sessão na Cinemateca, percorri a fila de bancos de jardim da Avenida para me sentar a ler um pouco, e com isso fazer horas para o jantar marcado para daí a mais de uma hora.
Os bancos haviam sido pintados há pouco e demorei uns minutos a escolher um onde preencher aqueles preciosos momentos do final da tarde de sexta-feira. O jantar era mesmo ali, do outro lado da Avenida.
Sentado, via os carros passar contra um fim de tarde que se punha magnífico para meu agrado. O vento agitava as copas das árvores, mas não me atingia. Via Lisboa de um novo ângulo. E gostei da perspectiva com que via passar a cidade. Os bancos a meu lado estavam desertos.
Por fim, tirei o livro e li um capítulo.
Depois de me certificar onde era o restaurante, tinha ainda mais de meia-hora para “gastar”. Resolvi subir (e detesto subidas).
Depois de subir um pouco, resolvi procurar o nome de uma rua que me agradasse: seria por essa que seguiria… Rua da ESPERANÇA do Cardeal.
Prossegui a subida, mas ao chegar à Rua do Passadiço, não gostei do nome. De novo procurei um nome de que gostasse: ao entrar na Calçada do MOINHO DE VENTO senti ser esse o caminho a seguir. Subi até ter a possibilidade de meter pela Rua de Júlio de Andrade: o nome nada significava.
Ao ir em sentido contrário, deparei-me com a Faculdade de Medicina. E com um jardim que, sob o fundo daquele início de noite se me afigurava com a beleza que eu procurava. Sentei-me de novo num banco de jardim, à beira de uma estátua (creio que do Dr. Sousa Martins, a julgar pelas placas de pedra espalhadas à volta – estava no Campo Mártires da Pátria). Peguei de novo no livro e retomei a leitura, debatendo-me agora com um vento personalizado pela altitude e pelo avançado da hora. Mas não era mais altura para leituras: era o momento para apreciar o que me rodeava. O anoitecer em Lisboa era marcado por alguns sinais universais, mas que carregavam de significado aquele instante: o aparecimento das primeiras estrelas, articuladas com o despertar da iluminação pública da praça. Olhava o vento e sentia o jogo de luz sobrepor-se ao suave escurecer que caía sobre a cidade.
O momento em que mãe e filha se aproximaram da estátua para agradecer algo foi o sinal para a minha partida.
Retomando o caminho de volta: a Rua de Júlio de Andrade afigurou-se-me de outra época: adornada com as luzes de uma cor que já não existe – aquele amarelo torrado de antigamente – descobri a beleza no que pouco antes me parecera desprezível. Como uns minutos antes, lá em baixo na Avenida, percebi pela segunda vez naquele entardecer como é que a perspectiva que temos do mundo muda conforme os olhos com que o vemos. A realidade muda perante o nosso olhar (é uma frase muito ao estilo da Física quântica, mas cada vez carrega mais significado de acordo com o modo como vejo o que me rodeia).
Claro que segui pela passadeira luminosa à minha frente. Passei pela “Xuventude de Galícia” e cheguei a um miradouro que admirei não tanto pela vista mas pelo carácter intimista com que oferecia o seu espaço – o Jardim do Torel: sob uma cúpula alaranjada ponteada de pequenos pontos de luz, vi os telhados de Lisboa ornamentados dos sons e luzes vespertinos de um pronuncio de fim de semana.
(…)
Dirigi-me com passo acelerado para o restaurante quando me apercebi de que havia deixado escorregar o tempo na beleza intemporal de um passeio sem rumo. Ou melhor: pelo rumo onde me levaram os nomes de que gosto e as impressões que fui sentindo.

PS: O livro, o filme ou o restaurante, eram bons (ou muito bons)… completaram a beleza deste gap temporal aqui descrito.

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