A planície estendia o nosso olhar àquela hora crepuscular. Era tarde demais para ser tarde e noite de menos para ser noite. Avistámos o pontão na sua simples majestade, nostálgica construção de outros tempos, o farol sinalizando a costa brava de uma festa que atrás de nós se desenrolava.
Deixámos a arruada cada vez mais longe, ao som patriótico de Pedro Barroso (“Viva Quem Canta”, creio), e entrámos no suave marulhar de um rio que se despiu por momentos da água para mostrar a pintura imaculada das barcaças encalhadas, pequenas obras de arte que o Tejo nos oferecia no contraste entre a beleza colorida que as mascarava e o lamaçal aconchegante que as sustentava.
Salpicada de velas bruxuleantes, a outra margem trazia até nós as ténues ondas da iluminação pública, catedral salpicada de promessas enviadas para um prenuncio de noite de lua cheia.
(Todos, sem excepção, lamentámos não ter levado máquina fotográfica)
Lembro-me de absorver a paisagem com intenção… intenção de a gravar em alguma parte de mim para a descrever mais tarde. Não apenas gravar a paisagem, mas também o ambiente, a sensação do momento, porque sabia ser irrepetível. Hei-de lá voltar um dia, àquela mesma hora, mas nada será igual. A sensação de um momento depende de uma infinidade de estados que se conjugam para resultar no sentimento que experimentamos. Sabia, mesmo enquanto tentava fixar aquele ponto no tempo e no espaço, que não mais iria ser repetido. E dei-me conta de como é bom que assim seja, de como é fantástico podermos construir as nossas sensações,
Aquela visão ficará apenas connosco, e com a melhor forma com que a conseguimos descrever.
Quando regressámos à festa, já a luz não era a mesma, já a noite estendia a sua cortina perfurada de estrelas pela paisagem. Já a fotografia estava gravada em nós (lembro-me de dizer – ou teria apenas pensado? - que neste momento já a fotografia não sairia bem).
Voltarei àquele mesmo Pontão, talvez. E no talvez, talvez na lembrança venha até mim um esboço daquela primeira impressão que, então, terá ocorrido, provavelmente, há um ano atrás.
Como no filme, há vidas “cheias de nadas”. Mas por vezes uma vida “cheia de nadas” pode ser a mais preenchida, a mais gratificante. Deste “nada” fizemos um momento memorável, pelo que comentámos, pelo que vimos, pelo que sentimos. E todos estávamos articulados, porque a contemplação da beleza é, na base, universal. Todos tivemos sensações diferentes, mas todos, cada um à sua maneira, apreciámos aquele quadro.
O momento não foi planeado, mas talvez por isso tenha resultado tão bem, para todos nós.
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