Lisbon & Estoril Film Festival 2011




Terminado o Lisbon & Estoril Film Festival 2011, sinto que, com este festival entrei definitivamente no cinema não comercial.
Os filmes que vi podem ser divididos segundo várias dicotomias: No Estoril vi os filmes mais comerciais, enquanto que em Lisboa vi o chamado "Cinema de Autor". Filmes puramente não comerciais, não creio que tenha visto algum (vi apenas um filme em competição este ano).
Com um cartaz simplesmente soberbo, onde marcavam presença várias ante-estreias, inclusivamente de filmes que, a nível mundial, apenas passaram ao público em festivais internacionais.

Killer Joe (Killer Joe, 2011) marcará o regresso de William Friedkin às luzes da ribalta. A sua carreira prometeu muito no início, com títulos como Os Incorruptíveis Contra a Droga (The French Connection, 1971), que lhe valeu o Óscar de Melhor Realizador e O Exorcista 2 anos depois (The Exorcist, 1973). Depois disso deslumbrou-se e teve um dos maior fracassos da história do cinema na altura com O Comboio do Medo (Sorcerer, 1977) e a sua carreira nunca mais foi a mesma (até agora, talvez…). Quanto a este filme, é um pouco “explícito demais”, algo que não surpreende em Friedkin, com algumas passagens a fazer lembrar Tarantino. A cena em que é feita referência à perna de frango do KFC fará história.

Nos Idos de Março (The Ides of March, 2011) é um thriller político tão básico que pouco me apetece falar sobre ele. Valeu pela confirmação do excelente actor em que se está a tornar Ryan Gosling e pela masterclass com o actor Paul Giamatti que houve após o filme. Clooney é demasiado previsível nestas coisas.

Um Método Perigoso (A Dangerous Method, 2011) conta a disputa entre Freud e Jung no início da psicanálise e a diferença na abordagem que cada um fazia na busca das causas dos traumas do ser humano. Uma história bem construída, realizada pela mão segura de Cronenberg e muito bem interpretada (Michael Fassbender é outra confirmação desta temporada, mas Viggo Mortensen, Keira Knightley, Sarah Gadon e Vincent Cassel são todos excelentes). Provavelmente a troco da popularidade que o filme pretende ter, alguns aspectos da investigação da mente humana poderiam ter sido um pouco mais aprofundados, mas creio ter sido intencional o ênfase dado ao aspecto histórico da disputa do que ao conteúdo das teorias em oposição.

La Guerre Est Declare (2011) é baseado na história verídica que a realizadora, Valérie Donzelli, viveu com o seu marido e co-argumentista, Jérémie Elkaim, no acompanhamento da doença do filho de ambos, a quem foi diagnosticado um tumor no cérebro em bebé. Embora não tão pesado quanto a história possa indiciar, são os momentos de humor com que o filme é pontuado que atenuam a tristeza da história que este filme carrega. Para além de bem conseguido, ofilme tem uma banda sonora muito bem escolhida.

Melancholia (Melancholia, 2011) surpreendeu-me pela positiva. Da beleza das imagens à força da banda sonora… de uma interpretação fantástica de Kirsten Dunst (premiada em Cannes) à força brutal de uma história impressionante, este filme é o exemplo perfeito de como é possível abordar um tema catastrófico com o “intimismo grandioso” que apenas alguns realizadores conseguem imprimir. A sequência inicial é muito, muito boa… como todo o filme, aliás. Creio ser este o filme que me fará descobrir em definitivo a obra de Lars Von Trier, algo que Ondas de Paixão (Breaking The Waves, 1996) não conseguiu, apesar de ser um excelente filme.

I Wish (Kiseki, 2011) foi um filme que me desiludiu, não por ser um mau filme, mas pela expectativa que tinha. Talvez embalado pela beleza de Poesia (Shi, 2010), achei que ver de novo um filme asiático (desta vez japonês e não sul-coreano) abordando o tema das relações humanas de um modo poético seria boa ideia, mas I Wish fica-se por um filme “simpático”, não mais do que isso.

Por fim, Faust (Faust, 2011) compete com Melancholia no que toca aos meus preferidos. Novamente, a força das imagens (são autênticos quadros) retratando uma Europa (semi) mediaval, ilustram a história poderosíssima de Fausto, o homem que vendeu a alma ao Diabo em troca de… conhecimento. Esta variante da obra de Goethe é um filme genial. Vendedor do Leão de Ouro em Veneza este ano, Faust estabelece Sokurov, se dúvidas ainda existissem, como um dos grandes realizadores da actualidade.

Gostei da edição deste ano pela qualidade do cartaz (claramente melhor), embora, em alguns casos, demasiado comercial. Sem sobranceria, creio ter sido propositado pois, no que respeita à adesão do público, a edição deste ano está anos-luz à frente da de 2010.
Uma crítica para o programa o qual nem sempre era propício para aqueles que trabalham: havia sessões que davam a horas de trabalho: ainda pensei em tirar um ou dois dias de férias, mas como consegui encaixar estes 7 filmes sem tal ser necessário, não o fiz.
Gostei do ambiente deste festival: ao contrário de outros festivais de cinema em Portugal (como o IndieLisboa ou a Festa do Cinema Francês), o público é muito mais eclético. Talvez por ser um festival não temático, com masterclasses e o próprio conceito do festival ser mais diversificado (com concertos, exposições, …), por ter nomes mais consagrados e ciclos de homenagem, … o facto é que não é um festival apenas para pessoal freak.
Em tempo de crise, ainda há espaço para a cultura de qualidade. Ainda bem.

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