Satyajit Ray


Descobri em Maio passado este realizador indiano que, vim depois a saber na pequena investigação a que a minha curiosidade me conduziu, foi um dos mais importantes realizadores do séc. XX.
Vi dois filmes na altura, A Balada da Estrada (Pather Panchali, 1955) e Charulata (Charulata, 1964) e ambos revelaram ser bem melhores do que a expectativa que eu tinha. Mais: qualquer um deles entra naquele grupo restrito de obras de arte que parece melhorar com o tempo. Ambos deixam muito para ser interpretado posteriormente, num usufruir muito depois de a obra terminar, como se não terminasse de facto mas permanecesse na memória, não numa fixação exacerbada, mas num prazer pontual de cada vez que as revisito na lembrança daqueles fins de tarde de Maio passado.
Ontem vi A Deusa (Devi, 1960), outro grande filme, embora não tão bom quanto os dois anteriores, mas pode ser devido ao “tempo de maturação” não ter sido ainda suficiente.

A Balada da Estrada é o primeiro filme da triologia de Apu e é um tratado sobre a pobreza e sobre a dignidade do ser humano. O que me chocou neste filme foi o realismo, o mostrar de um mundo que eu não acreditava ser real, numa época diferente, é certo, mas onde é exposta a brutal sensibilidade dos mais pobres.
A Deusa pode ser visto em dois planos: o do fervor religioso e o do papel da mulher na família. Quão ténue é a linha entre o fanatismo religioso e a loucura? E quando uma mulher acredita (ou é-lhe incutido) que é a reencarnação da deusa Kali, como muda o seu papel no seio de uma família indiana do século XIX, dividida entre o marido, racionalista mas, ao mesmo tempo, fraco de espírito, e o sogro, fervoroso religioso, num acesso de pura cegueira.
Charulata mostra o impacto que a presença de uma mulher, Charulata, tem numa família que tendia a ser tradicional. Psicologicamente, é de longe o mais complexo dos três filmes e, à semelhança de A Deusa, dá continuidade à colaboração entre Ray e Rabindranath Tagore, o primeiro Prémio Nobel da Literatura não europeu e que teve uma prolífica colaboração com Satyajit Ray.

Ray era um homem das artes: filho de um poeta, autor de histórias de ficção científica, membro do júri dos mais prestigiados festivais de cinema como Berlim ou Veneza, chegou inclusivamente a receber a Legião de Honra do Estado Francês, o mais prestigiado galardão do país.
Akira Kurosawa disse uma vez do trabalho de Ray que “não ter visto os filmes de Ray é como ter vivido no mundo sem nunca ter visto a lua e o sol”.

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