(Novo) Cinema Paraíso

Sempre tive dúvidas da existência do óptimo, quanto mais acreditar, ou melhor, verificar que o óptimo pode ser melhorado.
Se há um filme que posso dizer que é o meu favorito (algo de que eu duvido de cada vez que ameaço esta constatação), esse filme é Cinema Paraíso (Nuovo Cinema Paradiso, 1988). Por todos os motivos, que tenho a certeza já os ter exposto aqui em algum momento, Cinema Paraíso é um dos filmes mais especiais que vi. Por ser profundo, por ser completo, por ser mágico.
É um filme que tem tudo: da inocência da infância ao desencanto da idade adulta; da Amizade ao Amor; da magia do primeiro amor à dor da perda… da perda do amor e da perda de um amigo; da paixão pela carreira versus a paixão pelas origens; e depois… a paixão pelo cinema como aglutinador de toda esta imensidão que compõe a vida.
Cinema Paraíso é o filme preferido de muita gente (pelo menos de muitas figuras públicas), mas isso não lhe tira encanto: ao contrário de “obras fáceis”, Cinema Paraíso é uma obra que pode ser saboreada a vários níveis, e é essa transversalidade que o vai colocando no lugar de destaque que merece na hierarquia dos melhores.
Toda a opinião que fui formando sobre o filme foi construída com base na versão que saiu no Cinema na altura (de 118’) e não a versão original, como o realizador Giuseppe Tornatore a imaginou (de 168’). Vi umas 3 ou 4 vezes a versão curta e, de cada vez que via, maior era a minha certeza de que, a ter um filme preferido, seria este.
Contudo, sempre tinha achado que faltava saber muito da história de amor que toma conta da segunda parte do filme. Na versão que vi, o romance terminava de uma forma um pouco… sem sentido para um filme, e nem o final, carregado de significado e simbolismo conseguia reparar essa lacuna.
Vi hoje, pela primeira vez a versão original, e, incrivelmente, notei como um filme pode perder devido a cortes impostos por distribuidoras, estúdios, etc… em nome de um hipotético sucesso comercial ou de uma pertença duração exagerada.
Sem exagero, parece-me outro filme. As peças do puzzle que faltavam foram agora encaixadas no novo todo que se formou para mim, e melhorou e muito aquilo que, na minha opinião, era já sublime. Se na versão curta a história se centra na relação de Amizade entre Salvatore e Alfredo e na paixão pelo Cinema (a história de Amor, embora importante, não foi o que retive), nesta segunda versão, tudo é igualmente importante: Amor, Amizade, Infância, Adolescência, Idade Adulta e Paixão… paixão pelo crescimento pessoal através da realização profissional versus paixão pela realização pessoal pela luta do Amor de uma vida.
Nesta versão fiquei a saber quão importante foi aquele amor para Salvatore e para Elena, fiquei com uma impressão diferente de Alfredo: se bem que até possa compreender um pouco a sua atitude, embora com algum custo, não posso concordar com ela… e fiquei sobretudo com a certeza de que não mais conseguirei ver a versão de 118’. Mais: não creio que conseguirei voltar a ter uma opinião sobre esse filme, depois de ter visto a história completa, e de ter visto como ela pode ser, não diferente, mas como a sensação que (me) causa pode ser muito mais preenchida.

Os grandes planos, com a lenta aproximação ou afastamento da câmara rumo aos detalhes, são algo em que reparei hoje, e que resulta bem demais nesta história, porque tudo nela é intimista… todos os objectos, como as pessoas, têm um papel a desempenhar no retrato nostálgico que é traçado da vida de Salvatore.
A Banda Sonora, de Ennio Morriconne, está ao nível das melhores e é, também ela, uma das artistas principais.
Os actores, e a realização são tão verdadeiros, tão inocentes, tão poéticos e, ao mesmo tempo, tão neo-realistas que tornam este filme numa mescla ainda mais universal no que respeita à abrangência de sentimentos e de vivência que pretende ser.

Mas é o todo que resulta sem uma explicação muito isolada. Uma obra tem magia porque sim. Não se explica: há obras que nos tocam porque resultam de uma forma quase mágica, como há relações que possuem uma magia (por vezes chamamos-lhe “química”) de que não sabemos a origem. E se, nas relações, pouco tem a ver com uma lista racional de características (honestidade, beleza, simpatia, dedicação, seriedade, charme, …), numa obra, essa magia é também mais do que a soma de qualidades isoladas, como as interpretações, o argumento, a banda sonora ou a montagem. Há coisas que resultam porque o todo se torna muito melhor do que a soma das partes. Essa magia pode surgir de imediato ou pode ir crescendo no nosso coração, mas não consigo elencar uma lista de razões que a compõem. Posso elencar uma lista de razões que criam condições para ela aparecer, mas há sempre qualquer coisa inexplicável quando experimentamos algo que toca no mais fundo daquilo que somos.

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