A Magia da Música no Coração




Durante muito tempo foi o clássico de Natal em Portugal.
É um dos filmes mais vistos e mais queridos pelo público em todo o mundo.
E é também um dos meus filmes de sempre.

Música no Coração (The Sound of Music, 1965) foi um enorme sucesso popular aquando da sua estreia, e assim continuou em cada reposição numa qualquer sala de cinema ou transmissão televisiva.
Sem ser uma película de grande recorte técnico ou mesmo narrativo, é um filme que, sem razão (aparente) se tornou mágico… porque há obras que escapam ao controlo dos seus criadores e se tornam muito melhores do que qualquer racionalidade explicativa consegue justificar.
Não é com o argumento, interpretações ou realização que consigo justificar o porquê de Música no Coração ser um dos filmes que mais me emociona, e com o qual mais experimento diferentes sensações de cada vez que o vejo (e já o vi, por certo, mais de 5 vezes). O que será então? E, o que quer que seja, terá a ver apenas comigo, ou será algo mais geral?

Creio que cada uma das circunstâncias anteriores é verdadeira: se o filme é assim tão “adorado” por tanta gente, há algo nele que ultrapassa a simples subjectividade presente na apreciação que cada um faz de uma obra. Por outro lado, eu gosto do filme não porque os outros gostam mas porque sou eu quem gosta.

O facto de ser um filme que fez (e faz) parte da minha infância torna-o, de imediato especial. Porque tive que aprender as músicas para a festa de Inglês da primária, vi-o pela primeira vez devia ter uns 8 ou 9 anos, e aquele modo tão simples e directo como a história era contada, adornada pela poesia da paisagem em forma de canção captou-me a simpatia (devo dizer que não sou nem grande apreciador nem conhecedor de música, em geral).
Mas não é apenas por este filme fazer parte da minha infância que continua hoje a ser tão especial para mim. Tem influência, sem dúvida, mas o valor que Música no Coração ganhou em mim não se esgota na impressão infantil com que cada experiência fica gravada tão imperiosamente naquilo que somos (para o bem e para o mal).
Se assim fosse, qualquer filme que me tivesse marcado na infância permaneceria nesse patamar de excelência inalterável ao longo da minha vida, e nem sempre tal acontece. Por exemplo, um dos filmes que me lembro de ter visto vezes sem conta enquanto miúdo e ser muito especial para mim à data (foi o filme que gravei na primeira cassete VHS que tive, e lá permaneceu até um “erro humano” o ter desgravado) foi A Lagoa Azul (The Blue Lagoon, 1980), e por duas belas razões, que se situavam logo abaixo do pescoço da Brooke Shields… vá-se lá saber porquê, ao crescer, aquela auréola que envolvia o filme foi-se desvanecendo (embora confesse que há partes que, ainda hoje, continuam a captar a minha atenção, o que quer que esteja eu a fazer – há coisas que nunca mudam).

Voltando à “inocência e candura” de Música no Coração (em A Lagoa Azul, a “música” era outra), a música, e o significado da música na vida dos personagens conduzem a história de uma família ao mesmo tempo que acompanham a história de um país. A música é a alegria, a iniciação de variadas fases na vida das crianças (as 7 "crianças" do filme, com idades diferentes e logo, em fases diferentes da vida, atribuem uma significação diferente às canções (e letras) que Maria lhes ensina). E esta transmissão do gosto pela canção, pela vivência da música nas montanhas, em que a melodia e a paisagem quase se tornam indissociáveis, é apresentada de um modo quase ingénuo.
Mas é uma ingenuidade que é tão honestamente assumida por todos os que participaram na realização desta obra, que o snobismo com que eventualmente ela possa ter sido atacada ao longo dos anos (e foi de facto) teve apenas como resposta o silêncio dos participantes e a sua alegria perante o sucesso cada vez maior que o filme foi alcançando.
Não é um filme pelo qual a crítica morra de amores. Também não é odiado, mas claramente a “crítica popular”, e não falo apenas de receitas de bilheteira, mas de opinião popular propriamente dita, ultrapassou e muito a credibilidade dos “críticos de secretária”. Porque se é importante apreciar a técnica de filmagem, a composição de uma personagem, a montagem ou o guarda-roupa (quantas vezes eu não o faço aqui), é também importante reconhecer, em cada filme, quais os seus méritos, quais os motivos pelo qual ele é ou não bom e, para mim, claramente, Música no Coração não deve ser avaliado à luz da matriz clássica dos parâmetros técnicos que o compõem. Porque se analisarmos cada um deles, descobrimos poucos (parâmetros) verdadeiramente superiores à média, mas como um todo, o filme funciona muito melhor do que a soma das suas partes.
Essa honestidade em ser fiel a uma história que é tão simples quanto a vida pode ser, será um dos motivos pelo qual o filme é tão querido: não há vergonha em expôr sentimentos: da inocência das letras e músicas de Rodgers e Hammerstein, da sinceridade das personagens, da simplicidade com que o contexto histórico é inserido na história de Amor de uma família, de como a Música e o Amor acabam vencedores…

Creio que foi este “algo” tão especial que não consigo definir com clareza que levou o filme a vencer outro colosso da 7ª Arte, Dr. Jivago (Doctor Zhivago), nos Óscares desse ano. Ambos levaram para casa 5 prémios, mas o de Melhor Filme (e Melhor Realizador) foi para Música no Coração. Embora Dr. Jivago seja um filme com maior desenvolvimento dos pormenores técnicos, conta também uma belíssima história de Amor, também sob um fundo político/histórico agressivo e o qual também não foi apreciado pela crítica de um modo indiscutível. Assim nesse ano, a Academia optou pelo público (em detrimento da crítica) e, em qualquer um dos casos, o prémio seria bem entregue. E foi de facto.

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