“Pelo facto de a vida ser, relativamente, tão curta e não comportar “reprises”, para emendarmos os nossos erros, somos forçados a agir, na maior parte das vezes, por impulsos, em especial nos actos que tendem a determinar o nosso futuro. Somos como actores convocados a representar uma tragédia (ou comédia), sem ter feito um único ensaio, apenas com uma ligeira e apressada leitura do guião. Nunca saberemos, de facto, se a intuição que nos levou a seguir certo sentimento foi correcta ou não. Não há tempo para essa verificação. Por isso, precisamos de cuidar das nossas emoções com um carinho muito especial.”
Com esta frase, fiquei com uma vontade enorme de revisitar A Insustentável Leveza do Ser. Houve uma fase da minha vida, (depois de Hemingway e antes de Hesse), em que li vários livros de Kundera. E só um esforço alimentado pela intuição, e pelo efeito identificador que este livro teve em mim, me levou a insistir várias vezes em Kundera, desilusão após desilusão, até chegar a uma outra obra que me enchesse as medidas (A Valsa do Adeus).
Mas A Insustentável Leveza do Ser permanecerá (para sempre, arrisco dizer), único. “É um daqueles livros raros que conseguem alterar o modo como toda uma geração observa o mundo que a rodeia.”
Lembro-me mais da ideia do que da história. Porque a leveza dos personagens nos atinge numa realidade humana que ocorre num ambiente tão estranhamente irreconhecível… e no entanto, é o nosso. Somos próximos de Thomas, Tereza, Franz e Sabina, peões no xadrez da História que se movem perdidos entre a mudança que lhes molda as regras do jogo.
A ditadura soviética é a metáfora para a materialização de uma tristeza que se confunde com a própria realidade, a brutal impotência com que a condição humana se debate perante a grandeza do teatro onde representa sem ter sido convidada: é personificação de todos os medos, não tanto numa perspectiva cósmica mas numa visão político-filosófica. Algo que só pode ter sido pensado e escrito por um grande humanista, mas que é ao mesmo tempo um grande conhecedor das visões que muitos antes dele foram construindo da existência.
Não sendo o único rasgo de génio de Kundera, dificilmente ele igualará algo desta magnitude. E porque vários livros seus são “cansativos” (na altura em que os li, pelo menos), A Insustentável Leveza do Ser ganha ainda um destaque maior.
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