César Deve Morrer (Cesare Deve Morire, 2012), não sendo um filme genial, venceu o Urso de Ouro (o galardão mais importante) e o Prémio do Júri Ecuménico no Festival de Berlim deste ano.
O filme, em tom semi-documentarial, mostra os ensaios de um grupo de reclusos, condenados a penas prolongadas, da peça de William Shakespeare Júlio César. O ponto mais interessante do filme, para mim, é o facto de ter sido filmado em cenário real (uma prisão italiana), com prisioneiros reais: aqueles homens estavam mesmo condenados a 8, 15, 20 anos ou mesmo prisão perpétua. Um único intérprete (Brutus), não era prisioneiro, mas um ex-prisioneiro que se tornou actor.
Filmado quase na totalidade a preto-e-branco, os únicos momentos coloridos “pintam” a interpretação da peça propriamente dita e um momento em que o sonho da liberdade vem ao de cima, preconizado numa paisagem colada na parede de uma cela.
De resto, é sobretudo pelo casting e através dos ensaios que tomamos conhecimento do enredo, das interpretações e do unir de esforços daquele conjunto de homens em torno de um objectivo: libertarem-se através da Arte.
Porque se a prisão lhes tirou a liberdade física, a liberdade espiritual permanece, e é através desta que a criatividade se manifesta: pelo sonho e pela Arte, cada condenado daquele grupo foi livre durante a execução daquele projecto. Não serão iniciativas como esta que ajudam a contribuir para que, no momento da saída do cárcere, aqueles homens tenham uma probabilidade ligeiramente inferior de se tornarem de novo delinquentes?
Sonhar, estabelecer metas na vida e lutar pelo que somos, marca a diferença entre viver e saber viver. Ao permitir um certo tipo de liberdade e ao estabelecer um objectivo para aqueles prisioneiros, a Arte (através dos realizadores Paolo e Vittorio Taviani), cumpriu uma das mais nobres funções da sua existência: dar vida.
Por contraponto a O Cavalo de Turim (A Torinói Ló, 2011), em que os camponeses, livres na imensidão do campo, se limitam a passar pela vida, em César Deve Morrer, os prisioneiros, cingidos às paredes da prisão, lutam por viver a vida.
E como o que é bom passa depressa, os 76 minutos em que estes homens tentam agarrar o destino das suas vidas contrastam com os 146 minutos em que pai e filha nada fazem para mudar o curso dos acontecimentos – paradoxalmente, viver a vida acelera-a, enquanto que quem se limita a passar por ela é condenado a carregar uma mini-eternidade de sacrifício aos ombros.
“Desde que conheci a Arte, esta cela tornou-se numa prisão.”
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