Pela parte que me toca, e pela primeira vez, começo a duvidar seriamente do resultado (não das boas intenções) das medidas deste governo.
Há sacrifícios que todos devemos fazer e há aspectos específicos que têm que ver com o défice público. O Estado é patrão dos funcionários públicos, não dos do sector privado, mas, para se atingir uma determinada meta de um défice público (porque é essa a meta, não é o défice externo) se vai buscar dinheiro aos privados, o princípio começa a percorrer um caminho sinuoso. Não que eu ache que não o deva fazer pois seria impossível que sobre os funcionários públicos recaíssem todos os esforços, mas faz sentido recair a maior fatia dos sacrifícios.
E só não digo que o esforço deva ser totalmente suportado pelos funcionários públicos, embora teoricamente fosse o que fizesse sentido, por uma questão de solidariedade. É certo que os funcionários públicos fazem um esforço maior em 2013 do que os privados (+7% de desconto para a Segurança Social e corte de um dos subsídios versus “apenas” +7% de desconto para a Segurança Social), mas 1/3 do esforço recair sobre os privados causará, muito provavelmente, uma espiral contrária às intenções do governo de promoção de emprego.
Não sei se, quando o governo diz que pretende promover o emprego com estas medidas, acredita mesmo no que está a dizer. É que a Economia não é Geometria: não é com régua e esquadro que se produzem os resultados desejados… é uma ciência social e, como tal, depende da sociedade… do comportamento da sociedade e esta, está mais que provado, não reage como os políticos querem (e ainda bem).
A medida por trás desta intenção do governo (que vamos admitir verdadeira) de promoção de emprego tem que ver com os descontos para a Segurança Social:
- As empresas baixam a sua contribuição em 5,75% (de 23,75% para 18,00%)
- Os trabalhadores aumentam a sua contribuição em 7% (de 11,00% para 18,00%)
Desta forma, duas consequências ocorreriam, teoricamente (e já vimos o quanto estas teorias económicas têm falhado… e vão falhar de novo):
1. A Segurança Social aumenta o seu financiamento em 1,25%, para pagar os subsídios de desemprego aos desempregados, pensionistas e reformados actuais, o que é indecente no caso dos reformados pois, se muitos andaram a descontar pouco ao longo da vida (porque a lei assim o configurava), viveram melhor (do que se tivessem que descontar 18% a vida toda), e agora é quem trabalha que tem que financiar algo que já devia ter sido financiado com os descontos feitos ao longo da vida, mas que o Estado não soube nem quis precaver (nem os próprios contribuintes – se lhes tivessem proposto um aumento da contribuição para 18%, mesmo que para um PPR em nome pessoal e, como tal, só seria usufruído pelo próprio, tenho a certeza de que a esmagadora maioria não aceitaria – só agora, com a corda na garganta, começámos a poupar alguma coisa que se veja… mas agora pode ser tarde…);
2. As empresas ficam, teoricamente, mais desafogadas, libertam recursos e assim podem contratar mais trabalhadores: nada mais errado! Senão, vejamos:
2.1. Uma empresa não contrata mais trabalhadores por ter mais recursos libertos: ao libertar recursos aumenta os lucros. Só contrata trabalhadores se necessitar, o que não me parece que vá ser o caso (na maioria dos casos – claro que haverá excepções);
2.2. Ao diminuir o rendimento disponível em 7% (na melhor das hipóteses – no meu caso a redução é de 9,8% devido à parcela do subsídio de alimentação sujeito a retenção de IRS) os trabalhadores portugueses (aqueles que ainda produzem alguma coisa neste país) irão consumir ainda menos (falo por mim), logo, consumirão menos produtos das empresas que supostamente iriam contratar mais.
Assim, se num momento inicial as empresas terão mais lucros, um ano ou dois depois volta tudo ao mesmo, sem mais emprego e com as pessoas mais pobres. Safam-se as empresas exportadoras (para países que não estejam em crise). É por isto que, na minha opinião, nada disto vai ter o resultado esperado, mais uma vez.
Pela parte que me toca, se eu já tinha cuidado com as despesas, por maioria de razão farei uma gestão muito mais apertada daqui para a frente. Sem alarmismo mas com pragmatismo, o meu tempo de lazer vai sofrer uma enorme alteração. Não digo que vá ser obrigatoriamente pior, porque quase todos temos a capacidade de nos adaptar (se houver um mínimo de rendimento para tal), mas passarei a viver o meu tempo de lazer de uma forma muito menos dispendiosa, e isso inclui sobretudo restauração e cinema.
Vou também contribuir com a minha parte para a crise.
Comentários
Infelizmente a situação não vai ser nada fácil.
E estava a ver ontem o "Eixo do Mal", e a Clara Ferreira Alves dizia que isto não é uma questão de "lobbies" mas uma opção ideológica. Eu concordo, mas, se já há algum tempo venho a ter cada vez mais dúvidas sobre este capitalismo selvagem, neste momento começam a transformar-se em certezas...
Beijinhos :)