Após as primeiras 50 páginas de A Culpa é das Estrelas (The Fault in Our Stars), de John Green, tive que reprogramar as expectativas, que é como quem diz: baixá-las.
As críticas eram boas (na Amazon, a média eram 5 estrelas: em 1.086 votantes, 931 davam a pontuação máxima!). Apenas dois factos me deixaram de sobreaviso, embora a expectativa continuasse nos píncaros: uma crítica de alguém que classificara o livro com uma estrela apenas e que se dera ao trabalho de escrever algo (que até me pareceu muito coerente, por sinal) e uma nota de que a escrita de Green era dirigida para “young adults”…
“Sabes em que é que acredito? Lembro-me de, na faculdade, estar numa aula de Matemática, uma aula de Matemática espectacular que era dada por uma velhota minúscula. Ela estava a falar das rápidas transformadas de Fourier e parou a meio da frase para dizer: «Por vezes, parece que o universo quer que reparemos nele.»
É nisso que acredito. Acredito que o universo quer que reparemos nele. Acho que o universo é improvavelmente preconceituoso em relação à tomada de consciência, que em parte recompensa a inteligência porque o universo aprecia que a sua elegância seja observada. E quem sou eu, a viver no meio da História, para dizer ao universo – ou à observação que faço dele – que é temporário?”
Quando o livro começou a ser interessante, percebi que o tinha sido desde a primeira página, desde a primeira palavra… eu que estava cego a essa beleza pela exigência que havia feito devido à preconcepção que tinha.
A Culpa é das Estrelas é um livro fantástico sobre a vida de adolescentes que tiveram o azar de se cruzar com a doença. E é um livro fantástico por ser despretensioso e resistir sempre ao sentimentalismo lamecho-romântico à lá Nicholas Sparks (quando estou para aí virado eu até gosto de Nicholas Sparks…). É um livro fantástico porque, com um humor ora sarcástico ora sincero, consegue dar a volta a situações na história que levariam a glorificar o drama, um dos pontos altos do enredo. E, por fim, é um livro fantástico porque mexe com a concepção que temos da vida e do universo quando a morte não é mais uma ideia vaga a 50 anos de distância, mas que está a dois passos de distância para quem deveria poder sentir o mundo por mais umas décadas.
“Parecia-me a mim que eu já tinha visto tudo o que há de puro e bom no mundo, e começava a desconfiar de que, (…), o tipo de amor que eu a Augustos partilhamos nunca poderia durar. «Assim a madrugada se reduz a dia», escreveu o poeta. «Nada dourado poderá permanecer».”
A consciência de se ser lembrado, por uma ou duas gerações ou por toda a humanidade atravessa os pensamentos de Hazel e Augustus, tentando ele justificar a existência deixando a sua marca enquanto ela acredita que na autenticidade, que na simplicidade de viver de acordo com o que sente é em si mesmo o melhor que pode deixar do lado de cá da realidade, o que quer que haja do lado de lá.
Na dor, há pessoas que se tornam boas, mas esses são os “efeitos colaterais” da doença. Para quem sofre verdadeiramente, a dor da doença faz sobressair a sinceridade, seja ela boa ou má…
“O sofrimento não nos muda, Hazel. Revela-nos.”
A concretização dos sonhos e o modo de encarar ou fugir ao problema são, também elas, questões centrais na história. Um sonho é tanto mais concretizável quanto mais lutarmos pela sua concretização e quanto menos obsessivos em relação a ele nos tornamos. A constatação é minha e, embora possa parecer contraditória, todo o percurso das personagens de A Culpa é das Estrelas é disso exemplo.
“…, e ocorreu-me que a voraz ambição dos humanos nunca é saciada pela concretização dos sonhos, porque existe sempre a ideia de que tudo pode ser feito de novo e melhor.”
As vidas dos que passam pela doença e dos que a acompanham de perto, dos que se afastam e dos que “sabem” como se lida com a questão, dos que fogem e dos que encaram a vida de frente, … tudo isso é retratado magistralmente por John Green, mas só em crescendo é que fui reparando nas múltiplas nuances por ela levantadas. E o modo como somos capazes de caracterizar as personagens pelo seu comportamento é algo em que muitos escritores (por vezes bem conceituados) falham. Porque enumerar uma série de traços de personalidade e esperar que o leitor retenha o “tipo de pessoa” que é aquela personagem é muito menos eficaz (e muito mais fácil) do que construir uma pessoa nova pelas suas atitudes, pensamentos, relacionamentos… pelo modo como se movimenta no mundo e isso foi conseguido de uma forma muito próxima da perfeição.
“… embora o mundo não tenha sido feito para os humanos, nós fomos feitos para o mundo.”
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