Combustíveis low-cost em marcas não-low-cost


O sector dos combustíveis tem sido o viveiro de muitas crias demagógicas, filhas do populismo a que infelizmente nenhum governo resiste. E este não é excepção.
Guterres avançou com a fixação do preço durante um ano e estava no seu direito (boa parte da Galp era uma empresa pública). Resultado: 700 milhões de euros de défice que foram pagos pelos consumidores nos anos seguintes.
Sócrates veio com a ideia peregrina do “imposto Robin dos Bosques”, que taxava 25% dos lucros resultantes da valorização do valor do combustível por efeito de stock (entre o momento da compra e o da venda), uma vergonha sobre a qual já tive oportunidade de escrever. Resultado: a Galp apenas pagou o dito imposto no primeiro ano de vigência do mesmo. Nos anos seguintes a empresa mudou a forma de apurar a mais valia de acordo com um de dois métodos alternativos que a própria lei possibilitava! O estado não voltou a ver um cêntimo.
Agora vem este governo com a obrigatoriedade de criar um ponto de abastecimento low-cost (não aditivado) em cada posto com pelo menos 5 pontos.
Inacreditável.
Por vários motivos:

- Quando se liberaliza um sector/empresa, o Estado tem o encaixe financeiro da privatização. Qualquer privado que compre uma empresa tem o objectivo de a rentabilizar ao máximo: passa-se assim com uma empresa de enlatados, de combustível, de promoção de espectáculos, de roupa, etc… se assim não fosse em vez de se comprar uma empresa, fundava-se uma instituição de solidariedade. O que o Estado português ainda não percebeu é que não pode ter o melhor dos dois mundos: ter metido ao bolso os muitos milhões da privatização e forçar preços baixos em prejuízo dos privados. Se quer manter os preços baixos tem uma solução: compra a empresa pelos muitos mais milhões que ela agora vale e depois até pode oferecer o combustível, mas aí já é o Estado/todos nós a perder dinheiro.

- Num negócio liberalizado (como são quase todos em Portugal), os preços são ditados pelo mercado. Pela concorrência, mas também pelo preço máximo que os consumidores estão dispostos a pagar pelo serviço/produto. Cada comercializador pode praticar o preço que entender e arcar com as consequências: se colocar margens muito elevadas (que é muito diferente dos preços finais serem elevados), arrisca-se a perder quota de mercado, mas no limite, não é por vender low-cost que o preço vá baixar: o preço é o que o comercializador quiser praticar: veja-se o exemplo dos ginásios há uns anos. O Estado baixou o IVA e as empresas incorporaram o diferencial na sua margem. Os Estados têm que perceber que, numa economia capitalista, podem regulamentar algumas “fronteiras” para garantir que o mercado funcione mas não podem controlar preços senão afugentam qualquer investidor. O que se pode discutir é se o modelo que queremos é o modelo capitalista, mas isso é outra conversa.

- Ninguém obrigou o Estado Português a privatizar sectores essenciais como os combustíveis líquidos ou a Electricidade. Em bens essenciais, ou que sejam monopólios naturais, como são os casos dos dois exemplos que referi, o assunto torna-se mais sensível porque não estamos a falar de um concerto de música ou de uma marca de roupa, onde temos muito menos propensão para contestar preços. Mas quem privatizou recebeu (e bem) por ter entregue o negócio a privados. Vir agora querer agradar ao povo, seja para não perder votos ou porque os preços racionalmente chegaram a valores elevados (via Brent, gás natural, etc…) é no mínimo desonesto.

- Fazer consecutivamente leis à medida para um sector para correr atrás do prejuízo (como são disso exemplos as três leis/medidas que referi no início) é uma atitude persecutória, populista e cobarde.

- Cobarde é também vender ao público a mentira de que, com a liberalização vem a concorrência e, com esta, a redução de preços. Este pressuposto é verdadeiro se os preços que pagávamos antes pelo bem, quando ele era público, fosse o preço justo. Como isso raramente acontece e pagamos sempre valores abaixo do seu custo real (preços subsidiados – e pode e deve discutir-se em que casos isto deve acontecer, porque há situações em que os preços subsidiados podem fazer sentido), é óbvio que eles não vão baixar com a privatização mas sim aumentar. Não podia ser de outra forma.

- Por fim, obrigar uma empresa a vender um produto pior (não aditivado no caso dos combustíveis, mas podia ser roupa de 2ª categoria na Gant por exemplo) é o absurdo total: um governo podia tentar obrigar a Louis Vuitton a vender malas da loja do chinês, mas seriam vendidas ao mesmo preço das outras.

Este governo, embora diferente dos anteriores no que respeita à cedência ao populismo, lá acaba por cair na fraqueza usual de quem está sujeito aos votos imediatos. A questão dos combustíveis é notória porque os preços são liberalizados. O mercado eléctrico ainda é relativamente desconhecido porque continuamos com três mil milhões para pagar à EDP e aos bancos. Quando a factura chegar (e o governo diz que até 2020 a conta estará saldada!) os preços dos combustíveis vão parecer o menor dos problemas.

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