Falar de reformas em Portugal começa a assemelhar-se a falar de algo como uma miragem (sobretudo se estivermos a falar de reformas futuras).
As recentes declarações de do primeiro-ministro PPC assustaram-me. Embora leve mais tempo do que os governos anteriores, este governo está a começar a ceder ao populismo. Amiúde, é certo, mas, aqui e ali uma ou outra intenção vai-se fazendo notar. E como ficar a meio caminho é a pior das opções, chegará o momento em que uma ideologia terá que ser escolhida.
Falar que as reformas mais elevadas devem financiar os que têm menos de 600€ por mês é uma declaração alarvemente perigosa e populista. Sobretudo quando se associam os que recebem as reformas mais elevadas aos que não estão a receber como reforma aquilo que descontaram, mas muito mais.
Primeiro ponto: quem nunca descontou um chavo e recebe menos de 600 € por mês, esses decerto que estão a receber mais do que descontaram (mais infinitos por cento!).
Segundo ponto: uma vez que a conta para o cálculo das reformas sempre esteve mal feita no Portugal democrático: foi calculada para uma estrutura social, profissional e no que respeita à esperança média de vida muito diferente da actual, por isso, ninguém (nem ricos nem pobres) recebem o que descontaram mas, na média, muito mais do que a totalidade dos seus descontos.
Terceiro ponto: o princípio da subsidiação cruzada em que actuais descontos servem para financiar as actuais reformas estaria correcto se isto resultasse da vontade popular e não pelo facto da sustentabilidade da Segurança Social estar “à rasca”.
Quarto ponto: quem mais recebe de reforma, na média, foi quem mais descontou ao longo da carreira contributiva, por isso é dinheiro que pertence a essa pessoa. Forçar a uma solidariedade muito para além da razoável, para além de roubo, é pôr em causa não apenas a sustentabilidade financeira de alguns mas de toda a gente. A isto chama-se nivelar por baixo, algo que os regimes comunistas do séc. XX nos mostraram bem demais, com os resultados que conhecemos.
Quinto e último ponto: talvez seja altura de começarmos a pensar seriamente, e sem a gritaria demagógica do costume, em começar a descontar, seja como complemento seja na totalidade, para seguros privados (prefiro o complemento porque acredito que alguma solidariedade é necessária para a sociedade).
O que não pode acontecer são leis perfeitamente idiotas (estilo contarem para o cálculo da reforma os melhores 10 dos últimos 15 anos) ou aproveitamentos escandalosos do sistema que permite que gente que pouco ou nada trabalhou na vida (e estou a falar dos que sempre fugiram ao trabalho por opção, dos que trabalham sem declarar para continuar a usufruir do subsídio de desemprego, etc…) continue a roubar aqueles que descontaram dos seus rendimentos para um dia poderem vir a beneficiar deles.
Não me importo que limitem as reformas a 1500€ou 2000€ como agora está na moda afirmar que se faz na Suiça. Limitem os meus descontos e eu não me importo de limitar o valor da minha reforma: com a diferença para os actuais descontos começo a descontar para um fundo privado e esse tenho a maior certeza que é meu (não toda, mas maior).
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Falar que as reformas mais elevadas devem financiar os que têm menos de 600€ por mês é uma declaração alarvemente perigosa e populista. Sobretudo quando se associam os que recebem as reformas mais elevadas aos que não estão a receber como reforma aquilo que descontaram, mas muito mais.
Primeiro ponto: quem nunca descontou um chavo e recebe menos de 600 € por mês, esses decerto que estão a receber mais do que descontaram (mais infinitos por cento!). (...) Segurança Social estar “à rasca”.
Acho que aqui estás a ignorar completamente o que aconteceu com o 25 de Abril. O facto de se ter criado um sistema nacional de segurança social que abrangeu uma base significativamente maior fez com que, desde o início "actuais descontos servem para financiar as actuais reformas". Isso foi vontade popular. Podes afirmar que um sistema social bem desenhado teria aproveitado tempos de bom desempenho económico para aumentar a convergência para o sistema que referes. O contrário, aliado à falta de natalidade e aumento das despesas sociais (quer por políticas, quer por necessidade fruto de crises) fazem com que, sim, a SS esteja "à rasca", mas não é tão linear como dizes.
Não sei quem são os que recebem menos que 600€/mês e certamente muitos são dos que não contribuiram nada (já poucos devem ser contribuintes que viveram quase toda a sua carreira contributiva antes do 25 de Abril), mas claro que depende também de como e em quanto é que defines os limites do aceitável de tributação e de subsidiação. Quem receba o ordenado mínimo tem capacidade de fazer poupanças para a reforma? E se não, deve-lhe ser atribuída alguma reforma? Quanto ao Ponto 2: certo. As regras estão mal feitas (mesmo antes da crise de natalidade).
Quarto ponto: quem mais recebe de reforma, na média, foi quem mais descontou ao longo da carreira contributiva, por isso é dinheiro que pertence a essa pessoa. Forçar a uma solidariedade muito para além da razoável (...)
A questão é, novamente o que é defines como "uma solidariedade muito para além da razoável", ou antes, uma que é razoável.
O que não pode acontecer são leis perfeitamente idiotas (...) Não me importo que limitem as reformas a 1500€ ou 2000€ como agora está na moda afirmar que se faz na Suiça. Limitem os meus descontos e eu não me importo de limitar o valor da minha reforma: com a diferença para os actuais descontos começo a descontar para um fundo privado e esse tenho a maior certeza que é meu.
Claramente. Não pode continuar desta forma, mesmo se não houvesse crise de natalidade. Quanto aos limites, se o modelo fosse "recebes o que descontaste", então não fazia sentido haver limites de pensões. Mas, por agora, não pode ser esse modelo. E também não sei se é isso que se quer.
A conversa subsidiação cruzada só me faz sentido parcialmente: neste momento há pessoas com ordenados mais baixos do que o meu e ninguém me obriga (por enquanto) a pagar um subsídio para lhes complementar o vencimento. Por que razão com as reformas há-de ser diferente?
A vontade popular funciona quando o povo é instruído: gostava, muito sinceramente, de ver este assunto referendado: este é provavelmente um dos assuntos mais centrais para o futuro do país, por isso mesmo não será referendado.