Há um argumento que tem sido invocado em Portugal para não pagarmos os impostos que mais não é do que uma forma de esconder um aspecto da nossa natureza: “o pequeno aldrabão”.
Por diversas vezes vi ser colocada a questão: “Vou pagar impostos para quê se depois não vejo o meu dinheiro ser bem aplicado?”
Admitamos ser verdade que o nosso dinheiro não é mesmo bem aplicado em alguns casos (em “alguns casos não é mesmo, mas noutros – muitos – é muito bem aplicado, ou não tivéssemos tido saúde e educação à borla durante décadas e transportes públicos ao preço da chuva).
Invocamos a boa ou má aplicação do “nosso” dinheiro como se isso justificasse a fuga ao fisco. Mais, ainda temos o descaramento de dizer “perante os poderosos que colocam milhões em offshores, não são os meus tostões que farão falta”. Aqui dá jeito fazer o papel de pobrezinho, para que os parcos cêntimos que pagaríamos em impostos não façam a diferença. Mas para os cigarros, viagens, restaurantes mais ou menos caros, para aí já não somos tão pobres.
A falácia deste segundo argumento é facilmente demonstrável: invocar que uma pequena parte isolada não fará a diferença é verdadeiro, mas deixa de o ser se todas as pequenas partes isoladas se lembrarem de invocar o mesmo. O conjunto de argumentos isolados, como um todo não é verdadeiro ainda que cada um deles o seja de per si. Se uma equipa ganhou 5-0 com os golos marcados por 5 jogadores diferentes, cada um deles poderá dizer que não foi o seu golo em particular que decidiu o sentido do marcador, mas se todos o afirmarem em conjunto, é falso.
Um e outro argumento (“o dinheiro não é bem aplicado” e “a minha pequena parte não faz falta”) não passam de desculpas. Ainda que por vezes o primeiro possa ser verdadeiro, se isso for motivo para fugir aos impostos, então entramos na espiral de fuga ao fisco à la grega, onde 80% da economia é paralela (por cá andamos nos 25% o que só é motivo de orgulho se nos compararmos com os piores). Se os suecos pensassem assim não tinham o país com as condições que têm (e não acredito que não haja dinheiro dos contribuintes suecos mal aplicado).
Não acredito que esta tendência espertalhona se desvaneça nesta geração (a mesma que, se vai para o estrangeiro, paga todos os impostos sem bufar, mais sinal de subserviência do que sentido de responsabilidade). Contudo, penso ser pacífico considerar que, se fugirmos ao fisco, qualquer que seja o argumento que inventemos, não seria intelectualmente honesto pensar que, como país teríamos aí qualquer vantagem.
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