Les Misérables



Falar de Os Miseráveis (Les Misérables, 2012) sem fazer a comparação com o musical é para mim impossível… e contudo… é injusto. Não sendo comparáveis, é inevitável estabelecer pontes e marcar diferenças
Mas os meios são diferentes e os públicos também.

Quando vi o musical em Londres, há mais de dois anos, estava imbuído no espírito de O Fantasma da Ópera, que havia visto dois anos antes e do qual adorava a história e as músicas desde sempre. A escolha por Os Miseráveis deu-se mais para poder comparar os dois (ambos são os musicais que estão há mais tempo em cena). E não me desiludiu em nada: tal como O Fantasma, o musical Os Miseráveis é uma composição fantástica de música, letras, interpretações e efeitos. Contudo, ao contrário de O Fantasma da Ópera, uma vez que não conhecia a história de Os Miseráveis, algumas ligações na história me escaparam… outras entendi, e outras ainda consegui estabelecer pontes pelo sentido.
A proximidade entre o público e os intérpretes faz de cada sessão de um musical algo único, irrepetível e cuja intensidade é muito mais sentida pela audiência.
Um filme, por outro lado, permite trabalhar os detalhes (quase) até ser atingida a perfeição. A grandiosidade dos cenários e dos efeitos torna-se a mais-valia óbvia quando comparado com o espectáculo em palco. Mas esta versão de Tom Hooper de Os Miseráveis traz muito mais: ao mesmo tempo que consegue manter-se fiel à sequência do show, traz uma personalidade muito mais vincada aos personagens de Vítor Hugo e para isto em muito contribuíram a “humildade” grandiosa que o filme transmite, onde não há medo de mostrar interpretações intimistas das canções da opereta, e os sentimentos que a música e a expressão dos olhares captada pela câmara transmite, que muito deve, por um lado, aos grandes planos da realização e por outro, à qualidade dos intérpretes.
A opção de Tom Hooper pelos grandes planos dá um toque mais humano ao filme: toda a história é já de si uma tragédia muito humana, mas poderia deixar-se levar pelos efeitos visuais ou pela inserção no contexto histórico das décadas subsequentes à Revolução Francesa: a opção por mostrar a crua expressão do sofrimento dos interpretes tão de perto equilibra o filme. A sequência em que Anne Hathway interpreta I Dreamed a Dream é fantástica e mostra toda a sua genialidade: num plano, a alteração da fisionomia mostra o que é o trabalho de uma verdadeira actriz, para além de provar (mais uma vez), que não é necessário estar muito tempo em cena para um intérprete marcar uma obra.
As interpretações são o outro ponto (muito) forte do filme: se Hugh Jackman não surpreende no brilhantismo com que encarna Jean Valjean, uma vez que possui uma versatilidade e uma formação que lhe permitem estar à vontade nestas andanças, com Russell Crowe a história é outra: não é grande cantor, mas compensa essa lacuna com um Javert mais lacónico do que no musical mas nem por isso menos obcecado na sua perseguição. Contudo, julgo que lhe faltar alguma intensidade dramática… não muita, pois Javert não é nenhum "bebé chorão", longe disso, mas também não é um "robot". Anne Hathaway é genial (e uma grande cantora) e a dupla cómica da história, formada por Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Cárter estão à altura dos seus papéis.

Os Miseráveis é um filme feito para quem gostou do musical: a magnificência e os ícones que marcaram a encenação no palco estão lá: com outra grandiosidade, com uma interpretação diferente até, mas que enriquece o filme, fazendo-o muito mais valer por si próprio do que por ser apenas o musical no grande ecrã.
Os Miseráveis versão-cinema conseguiu diferenciar-se da versão-palco. Não sei se superou ou se ficou aquém, nem me interessa: é um filme fantástico, com uma grande história sobre os “miseráveis”, onde quase todos são miseráveis mas em que, de alguma forma, todos conseguem deixar de o ser. Em sentido figurado ou literal, ninguém continua miserável no final da história.

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