Vi ontem na Cinemateca um documentário realizado por Peter Bogdanovich sobre o grande John Ford. Feito numa primeira fase em 1971, o filme só foi completado em 2006, quando o realizador, fã assumido de Ford, incluiu as contribuições de Clint Eastwood, Steven Spielberg e Martin Scorsese, entre outros, a juntar aos óbvios John Wayne, James Stewart e Henry Fonda. Os 110 minutos do filme estendido foram curtos para mostrar toda a mestria do mais oscarizado realizador de sempre e um dos mais prolíficos de todos os tempos: 135 filmes, e quantos de enorme qualidade…
Que melhor prólogo para os Óscares do que conhecer a obra de um dos mais míticos realizadores de sempre?
Peter Bogdanovich foi um dos realizadores mais promissores do início da década de 70: juntamente com este Directed by John Ford (1971) nesse ano lançou o filme pelo qual viria a ser lembrado (pelo menos até hoje): A Última Sessão (The Last Picture Show). O filme viria a lançar uma série de “jovens” como Timothy Bottoms, Jeff Bridges e Cybill Shepherd e conta a vida de um grupo de jovens na década de 50 numa pequena e isolada cidade do Texas. Filmado a preto-e-branco, é um exemplo perfeito do que é a “Americana”. Foi um dos primeiros DVDs que comprei.
A coragem de Bogdanovich em realizar um filme sobre John Ford foi enorme tendo em conta o jovem e desconhecido realizador que era na altura e o carácter difícil do mestre.
Ver este filme é puro prazer para quem gosta de cinema… fiquei com vontade de abraçar toda a obra de Ford. Dos três filmes que havia visto só um era considerado “western” (género que conheço mal), mas a quantidade de grandes obras que realizou, mostradas em retrospectiva e explicadas com notas de produção pelos seus grandes intérpretes despertou-me a curiosidade.
Enunciar os melhores filmes de Ford é arriscado, por serem muitos e por eu não ter visto grande parte, mas de qualquer forma, dos que não vi, é seguro mencionar alguns óbvios por pertencerem à História do Cinema: O Delator (ou O Denunciante) (The Informer, 1935); Cavalgada Heróica (Stagecoach, 1939), A Grande Esperança (Young Mr. Lincoln, 1939), Forte Apache (Fort Apache, 1948), Rio Grande (Rio Grande, 1950) ou O Homem Tranquilo (The Quiet Man, 1952).
Entre os muitos e deliciosos detalhes que o filme expõe, ficou-me na memória a lição de Ford ao estudante Steven Spielberg, quando este o foi visitar ao seu gabinete no estúdio: quando conseguires perceber que a linha do horizonte deve estar na metade superior ou inferior de um plano e nunca no meio, eventualmente poderás vir a ser um bom realizador. O facto de ter filmado nove vezes em Monument Valley tornou-o num cenário de marca dos seus “westerns”.
A influência que John Ford teve em mim no que respeita ao meu gosto pelo Cinema foi imensa. Um dos passos mais importantes nesta descoberta constante que é o conhecimento progressivo que vou tendo de todos os géneros de todas as épocas, foi o vencer a barreira do preto-e-branco. O primeiro filme a preto-e-branco que vi foi precisamente de John Ford. Devia ter uns 13 ou 14 anos e lembro-me de ter ficado admirado por perceber o filme (os filmes a preto-e-branco eram imperceptíveis, chatos e apenas para “gente crescida”). O filme era As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath, 1940), uma adaptação brilhante do romance de Steinbeck, uma hino ao espírito humano, à capacidade para vencer as adversidades, à ligação quase mítica à terra e uma homenagem à importância da família.
A família era o tema central do segundo filme de Ford que vi. O Vale Era Verde (How Green Was My Valley, 1941) é um filme lindíssimo que retrata a dureza da vida dos mineiros do País de Gales e o conflito de gerações no seio de uma família perante uma sociedade em mudança. Com um elenco de luxo, encabeçado por Donald Crisp e Walter Pidgeon, o filme conta também com Maureen O’Hara, a mais “Fordiana” de todas as actrizes e Roddy MacDowall, uma das cara mais conhecidas de sempre do cinema, aqui ainda muito jovem. Se a cena final é triste, é uma tristeza carregada de significado, poderosa,
Mas se há cena final pela qual John Ford ficou conhecido, essa foi a do “western” que vi: A Desaparecida (The Searchers, 1956) conta com John Wayne já maduro, numa história clássica de índios e cowboys. Mas neste filme estão presentes todos os ingredientes do cinema de John Ford: as cenas onde várias acções acontecem em simultâneo (a reunião de família), a importância da família, Monument Valley, o herói mais ou menos solitário e uma cena final que contém um dos planos mais bonitos alguma vez filmados.
Como alguém dizia neste documentário, os filmes de John Ford são falsamente toscos, aparentemente simples, mas na realidade são bastante complexos.
“If the legend becomes fact, print the legend.”
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