Em tempo de crise, e quando os apoios à cultura costumam ser os primeiros a desaparecer, devo homenagear o projecto (que conheço há pouco mais de um ano) da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, que é apoiada pelos dois municípios e pelo Ministério da Cultura.
Não pretendo discutir o que deve ou não ser pago ou subsidiado em termos de cultura. O facto de vivermos numa época em que tudo é quantificado pela sustentabilidade financeira, faz com que, se for essa a única bitola pela qual a cultura é avaliada, poucas hipóteses restam de sobrevivência de uma parte não desprezível daquilo a que chamamos cultura.
Voltando à OCCO, ter uma oferta regular de concertos de qualidade, quer pela qualidade das obras quer dos intérpretes, ora gratuitos ora a preços simbólicos (5,00 € no Auditório da Boa Nova, que acredito dever-se mais a uma exigência dos donos do auditório do que dos artistas – em nenhum outro local vi um espectáculo da OCCO ser pago) é meritório. Os locais onde actuam espalham-se sobretudo pelos dois concelhos (insistir em música de câmara fora de Lisboa merece um aplauso), mas existem actuações extraordinárias por todo o país e algumas representações de Portugal no estrangeiro.
Vi no Natal de 2011 o meu primeiro concerto da OCCO, um concerto de Natal (Bach, creio), na Igreja de Oeiras numa tarde de fim-de-semana.
Na semana passada, no auditório César Batalha, também em Oeiras, vi o segundo, e este ainda me surpreendeu mais (dois quartetos para cordas - Verdi e Prokofiev): música fantástica e bons intérpretes. Eu arriscaria mesmo dizer, comercial, uma vez que ambas as obras eram curtas (30 mins cada) e “entravam no ouvido”. Não estava cheio mas quase (o que quer dizer pouco uma vez que o auditório é mínimo).
Faço votos para que a programação continue, com mais ou menos crise, com mais ou menos apoios à cultura, porque também é para isto que servem os impostos que pagamos, e de vez em quando, sabe bem ver os meus impostos aplicados em algo que eu goste, para variar, e de que eu tire algum partido.
Comentários
Parece-me bem que os impostos sejam utilizados num apoio estrutural à cultura, criando condições que facilitem os artistas. Agora haver financiamento directo de instituições estatais à arte nas suas formas mais variadas acho errado! Porque a arte não é grátis, há quem viva dela e precisa, naturalmente, de ser remunerado e o que acaba por acontecer é uma habituação à gratuitidade da cultura. Os filmes sacam-se, as músicas também, os concertos a câmara oferece. Claro que podendo ouvir o Jorge Palma de borla, ou a 20 euros o bilhete, grande parte das pessoas acabam por optar pela borla!
Outra questão que se pode discutir é a justiça dos preços praticados e aí já poderei não concordar com muitos deles. Na minha opinião: pagar sempre (ou quase sempre), mas um valor justo.
Eu concordo com o financiamento directo de instituições estatais à arte: o cinema e o teatro, mesmo pagos e a preços "normais", têm apoios directo à sua execução. Agora, se avaliarmos a arte pelo lucro, muito pouca sobreviveria: não existe mais de 10% de cinema europeu sem subsídio, por exemplo. Basta não haver grandes estúdios.
No entanto o meu ponto neste post era precisamente dar um exemplo de uma boa aplicação de um subsídio, num projecto que existe há pelo menos 2 anos.
Depois, voltando ao meu primeiro post, acho que não fui muito claro naquilo que disse. Quando falo em concordar com apoios estruturais, refiro-me evidentemente a apoios que levem à criação de algo, que de outra forma não fosse possível. Mas com muito rigor, para não haverem "Brancas de Neve"!
Porque se na música é possível facilitar a produção de muitas formas (ou poderia ser), com estúdios estatais, facilidade de acesso a espaços estatais para espectáculos e afins, é óbvio que no cinema a coisa não é assim tão fácil. Já no teatro, nem todo tem apoio estatal.
Agora, voltando à OCCA, esse é o princípio com o qual não concordo. Haver um subsídio do estado, para o público ter acesso à arte de borla! Porque nesse caso, não fosse a borla, e esse projecto manter-se-ia vivo com preços "justos" e, pelo menos, com menos apoio estatal.
Embora este espaço seja curtíssimo para expôr a minha opinião sobre o subsídio à cultura, considero que esta está na fronteira entre actividade lúdica e formação pessoal. Assim como entendo que o ensino deve ser gratuito (e entendo que a escola é muito mais importante para a formação de uma pessoa do que a simples formação académica), entendo que a importância da cultura para a formação pessoal merece que se olhe para a sua subsidiação como um investimento no capital humano do país.
PS: No caso da "Branca de Neve" concordo. Mais: é um caso de fraude uma vez que não foi referido ao ICAM (na altura era assim que se chamava a entidade publica que subsidiava) que o filme não tinha imagens.
Contudo, "ainda" não tenho um argumento lógico contra uma subsidiação a algo do género (embora ache que esse seja um exemplo claro do que não deve ser subsidiado).
É claro que a importância da cultura é relevante na formação pessoal, como é a educação, como é o seio familiar, como é a Igreja (para quem a frequenta)... Nada substitui nada, pelo contrário, tudo se complementa. E sou da opinião, como em tudo, que ninguém deve ser excluído por falta de meios para ter acesso à saúde, educação, arte, cultura e por aí fora... Isso não implica que o estado tenha de a oferecer para que todos tenham acesso, tem, isso sim, de salvaguardar quem não pode pagar oferecendo-lhes acesso com condições especiais.
Eu concordo com o investimento em cultura, mas não com borlas nem a pagar integralmente criações artísticas. O estado deve, na minha opinião e em geral dar condições para, contudo, deve salvaguardar tudo o que de outra forma não fosse possível existir. Centrando na cultura, é preciso, se calhar, pensar a divulgação/acesso à cultura de outra forma. Prefiro que se invista numa promoção da cultura, desde cedo, nas escolas, com visitas de estudo financiadas pelo estado (ou não) a espectáculos (uma coisa estruturada e séria, e não duas ou três visitas de estudo pontuais como é o que acontece com a maioria). Deixo o belo exemplo da Professora Estela Coutinho que bem se esforçava para nos dar a conhecer essa área. Ter acesso a disciplinas de artes nas escolas, é outra forma (mas coisas sérias, não coisas como a educação musical que se tem por aí ou a educação visual!). É muito mais fácil, dessa forma, ter-se um público regular, que tenha gosto pela arte e disposto a pagar para a "consumir"! É preciso sermos ensinados a consumir arte e se isso não parte dos pais (e não nos podemos esquecer que o nível cultural do País não é elevado, o que torna difícil haver da parte dos pais incentivo aos filhos para a arte), também não é certo que essa vontade venha a partir de nós de livre e espontânea vontade, daí a importância da escola. Acredito muito mais neste principio do que nas borlas.
Bem, mas isto é conversa para ter ao vivo! Pode ficar marcado para o próximo fim-de-semana! ;) Sábado, Benfas e tertúlia à antiga?
PS: O acesso ao desporto é outra componente da formação humana que concordo que deva ser "tendencialmente" gratuito.
Depois combinamos.