Vi ontem um filme de que já tinha ouvido falar, conhecia a história (em três frases), já havia visto uma ou outra cena e há muito que tinha curiosidade.
Ontem matei-a (a curiosidade).
Um Grito de Coragem (A Cry In The
Dark, 1988) conta a história de uma família australiana cuja filha bebé, durante
umas férias num acampamento de visita a Ayers Rock (o “maior rochedo do mundo”),
é levada por um dingo.
A família é uma fervorosa adepta
da Igreja Adventista do 7º Dia e utilizam a fé para divulgar alguma mensagem de
esperança e esboçar uma reacção que foi confundida com protagonismo pelo país.
O filme realça muito as reacções
de rua, os boatos e a histeria colectiva que se apodera das massas em situações
que apelam ao coração. Quando o processo é reaberto e as suspeitas recaem sobre
a mãe da criança (Meryl Streep, igual a si própria) com a colaboração do pai
(Sam Neill, a revelar-se um grande actor), até as reacções dos acusados são postas em causa, como se
existisse um comportamento standard que toda a gente devesse seguir para
demonstrar a sua inocência.
Sem me alongar mais na história,
refiro apenas dois pontos que me despertaram a atenção:
- Os julgamentos na praça pública
e a facilidade com que julgamos os outros. Mais, a facilidade com que mudamos
de critério quando algo de suspeito se passa com alguém que nada tem a ver
connosco. Há uma frase no final do filme que tem uma força enorme: “I don't
think a lot of people realise how important innocence is to innocent people.”.
Este filme faz jus a esta frase muito bem.
- A associação à religião, ao
culto, etc… como forma de ligar o crime a um qualquer tipo de sacrifício (algo
sobre o qual escrevi há pouco tempo a propósito da história dos West Memphis 3)
– começo a acreditar que os crimes motivados por este género de seitas ou com
motivações religiosas a este nível (não estou a falar de bombistas suicidas ou
de “guerras santas” – isso, muito mais do que religião, é ódio), acontecem
muito mais na imaginação do colectivo do que na realidade em que existimos. A
existência de tais motivações atraem-nos, por alguma mórbida razão. Gostamos
de a ver retratada em filmes e documentários (eu falo por mim, gosto muito de
ver histórias e investigações de crimes reais), mas tal não deveria significar
que assumíssemos que quem pertence a um culto é automaticamente capaz e passível
de cometer tal atrocidade.
Não sendo um grande filme, é uma
história que levanta e bem muitas questões, segura com grandes interpretações e
que possui o grande mérito de se manter interessante até ao final sem inventar
algo que não aconteceu, algo raro quando vemos um filme “baseado numa história
verídica” (a palavra principal aqui é o “baseado”). Este filme, no início,
avisa-nos simplesmente de que “esta é uma história verídica”.
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