Vi recentemente dois filmes com mais em comum do que à partida eu poderia supor: dois documentários, dois filmes sobre música, dois filmes com um país longínquo como pano de fundo, dois filmes sobre como a música americana pode aproximar culturas, abanar consciências e, no fim, redimir-se dos podres da sua própria história.
Há uma semana vi no São
Jorge, no IndieLisboa, Under African Skies (2012), um documentário de Joe
Berlinger (um dos documentaristas da CBS que, em 1996, iniciou a triologia
Paradise Lost, provavelmente o maior contributo para libertar os West Memphis
Three, quinze anos depois). O filme conta em paralelo, a história da gravação
do álbum Graceland, de Paul Simon, na África do Sul, em 1985 (o álbum viria a
sair apenas em 1987, ganhando o Grammy para melhor álbum), e do seu regresso
vinte e cinco anos depois, para celebrar o lançamento do álbum e fazer as pazes
com o passado.
Em 1985 Paul Simon furou
o boicote estabelecido pelos Artistas contra o Apartheid e partiu para a África
do Sul para gravar, a convite de alguns artistas locais, uma das grandes experiências
culturais no que respeita a mistura de diferentes estilos musicais num mesmo álbum. A
polémica que causou à época não foi suficiente para destruir a qualidade do álbum.
Não sendo a fase de Simon de que mais gosto, depois de conhecer a história por
trás do álbum, as influências que suportam cada música e o modo heróico como
tudo foi agregado no final, fui ouvir de novo algumas das músicas de Graceland que
tenho numa antologia da Paul Simon… e é, sem dúvida um álbum fenomenal.
Paul Simon é um
artista pop que, para além de fazer jus ao estilo que desenvolveu (é um artista
cuja música é tremendamente “popular”), alia a esse facto uma qualidade que eu
diria que o coloca entre a short list dos artistas “de culto”. Quer como
compositor quer como letrista, Paul Simon é um dos melhores intérpretes do século
XX.
Cabendo também nesta
designação “de culto” está um artista que o foi durante mais de vinte anos sem
o saber, numa história tão genial quanto é difícil de acreditar: Searching for
Sugar Man venceu o óscar este ano para Melhor Documentário e conta a história
de Sixto Rodriguez, um simples habitante de Detroit, descendente de mexicanos,
que no início da década de 70 gravou dois álbuns que ninguém ouviu.
Por um capricho do destino, a sua música chegou até à África do Sul onde, durante as décadas de
70 e 80 vendeu mais de meio milhão de cópias. O impressionante nesta história é que
durante todo este tempo Rodriguez nunca teve conhecimento do sucesso que tinha
neste país.
A sua simplicidade e humildade
esbarra com o presidente da Motown, que durante este tempo nunca lhe pagou um cêntimo
de direitos de autor, e este anonimato contribuiu para criar uma aura mítica em
torno deste personagem entre os fãns sul-africanos.
Quando, na década de
90, dois jornalistas/conhecedores de música resolveram investigar a história de
Rodriguez (pensando que ele havia morrido) não imaginavam a surpresas que lhes
estava reservada: Rodriguez estava vivo e levava uma vida humilde como
biscateiro na sua cidade.
E se a qualidade da
sua música não fica longe (ou mesmo atrás) da de Bob Dylan, como facilmente se
percebe no início do filme, a sua atitude desprendida chega a ser
desconcertante.
Voltou à África do Sul
para finalmente conhecer os fãs e tocar numa série de concertos memoráveis,
qual personagem onírica ressuscitada de uma história fantástica.
Estes dois filmes são
de uma qualidade notável, pela arte com que foram feitos, pela matéria-prima
que tinham para a suportar, e pelo que representam como forma de mostrar uma
das vertentes positivamente politizadas da Arte: a aproximação cultural. Esta
pode fazer sobressair o melhor dos homens e isso está bem patente em ambos os
filmes.
Comentários