Para o Jorge,
Com um grande abraço
pela sua brilhante passagem
para o 3º ano do liceu.
Estoril, 28 de Julho de 1958
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Vi esta dedicatória estava no livro Gente de Palmo e Meio de Augusto Gil, numa banca de um alfarrabista na Feira do Livro de Lisboa.
Para uns é um livro estragado, para outros uma simples curiosidade… para uns um objecto valorizado pela marca do tempo, para outros um sinal de um romantismo voyeurista…
Eu achei piada, porque gosto (também mas não só) de que os objectos que compro tenham “personalidade”, história, sentir que antes de chegarem até mim já tiveram um percurso, já fizeram outros felizes, tristes, já foram a prenda de alguém… que um dia se fartou deles e os vendeu ou entregou passando o testemunho para que outros tivessem nas suas mãos a mesma liberdade que eles tiveram: ficar com algo de valioso, vendê-lo, ler, oferecer, etc…
É este o espírito que gosto de extrair da Feira do Livro de Lisboa.
Conseguir aí livros a preços apetecíveis é raro acontecer face às mega-promoções das grandes lojas. Este ano, pelo que vi ontem, pode ser uma excepção: não sei se por efeitos da crise ou pelo abusivo preço standard dos livros em Portugal, os descontos a sério nos livros chegaram finalmente para ficar – já era tempo: basta comparar os preços da Amazon (paperback ou não) para percebermos o quanto somos roubados em Portugal.
Assim, raramente compro livros na Feira do Livro.
Mas adoro ir até lá passear, sentir o ambiente quando a tarde se faz noite e o cheiro a papel gasto que vem das bancas dos alfarrabistas me convida a procurar tesouros descontinuados.
As esplanadas e as farturas só vieram complementar o ambiente acolhedor que a Feira proporciona quando o frio, o vento e a chuva o permitem.
Este ano, curiosamente, tinha três ou quatro livros para comprar. Consegui três: O Relatório de Brodeck, de Phillipe Claudel, O Valente Soldado Chveik de Jaroslav Hasek e O Tempo – Esse Grande Escultor de Marguerite Yourcenar (este encomendado numa banca de livros usados – terei que voltar) e a preços “abaixo de baixos”. Faltou o que mais queria: As Crianças do Caminho-de-ferro, de Edith Nesbit.
Pela primeira vez não dei pelo tempo a passar, nem quando desci pelo lado da Sidónio Pais, nem quando subi pelo lado contrário… foram duas horas que passaram num ápice. Nunca tinha ido à Feira no dia de abertura e a ideia com que fiquei: pouca gente e menos bancas pode ser a ilusão de me ter concentrado mais nos livros do que nas pessoas.
Muito raramente me consigo embrenhar em algo que me faça esquecer o meio em que estou (no cinema não consigo abstrair de quem está à minha volta, a correr não consigo deixar de olhar para quem me rodeia, etc…) mas ontem consegui. Ter estado boa parte do tempo sozinho ajudou.
Não tendo havido Feira do Livro no Porto este ano, pelo menos os esforços para que a mesma continuasse a existir em Lisboa são de enaltecer.
É um dos eventos e momentos culturais mais agradáveis que conheço, onde a cultura é verdadeiramente colocada à disposição das massas, onde todos se misturam ora passeando ora buscando uma relíquia em vias de extinção ou uma oportunidade.
Uma iniciativa que vai resistindo ao implacável atropelo do tempo tecnológico em que vivemos… sem o conforto das compras online mas com o conforto de continuarmos a ter uma pequena amostra do antigamente.
Isto os e-books nunca conseguirão replicar. Nem que lhes ponham cheiro.
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