O Monte dos Vendavais



 Do ano de 1939, eu havia visto 3 filmes da galeria de obras notáveis saídas naquele ano (de ouro): E Tudo o Vento Levou (Gone With The Wind), Ele e Ela (Love Affair) e Peço a Palavra (Mr. Smith Goes To Washington). Do que eu conheço desse ano, faltavam-me (pelo menos) outros 3: Adeus Mr. Chips (Goodbye Mr. Chips), Stagecoach (Cavalgada Heróica) e, provavelmente aquele que mais curiosidade me tem despertado entre os que estão (estavam) em falta desse ano: O Monte dos Vendavais (Wuthering Heights). Ao saber que iria passar ontem na Cinemateca, fiz por ir vê-lo e consegui.

Nunca o romance de Emily Bronte me havia despertado grande curiosidade. Sendo um dos expoentes do Romantismo, Bronte publicou-o em 1847 (com apenas 29 anos, um ano antes de falecer). O filme sim, desde cedo que me vinha a causar grande expectativa: desde que a minha avó mo havia referido como um filme da sua juventude (nasceu em 1920) e eu gozei com ela alegando que estava a fazer confusão com E Tudo o Vento Levou (ignorância minha – houve mesmo 2 filmes nesse ano com referências ao vento). Mais tarde, soube por alto do que tratava, soube que contava com Laurence Olivier no elenco e que era realizado por William Wyler, duas razões de peso para o ver (depois de o ver, a oportunidade para ver David Niven sem bigode ou Donald Crisp antes de ser velho constituíram outras duas (razões)). O texto na folha da Cinemateca sobre o filme, de João Bénard da Costa, pura e simplesmente arrasava o filme, quer quando comparado com o livro, quer em absoluto. Curiosamente, esta opinião não abalou em nada a minha vontade em ver uma das obras maiores do cinema clássico (estamos a falar de alguém que a dada altura da vida resolveu ouvir a obra completa de Mozart por ordem cronológica!!! Merece crédito, porque é provavelmente o maior conhecedor de cinema português de sempre, mas é um bocado maníaco!). Ao ver o filme, sugerido ou não pela crítica que havia lido, reconheci e entendi muito do que havia lido (não digo que concordei porque não li (ainda) o livro). Contudo, ao contrário da conclusão do texto, tal não me fez desgostar do filme: gostei muito e, mais do que isso, fiquei com grande curiosidade em ler o livro, para ver desenvolvidos alguns dos diálogos intemporais “que por lá são ditos” e perceber de que forma é que o elemento metafísico praticamente esquecido no filme é desenvolvido, bem como o naipe de personagens que são reduzidas a pouco mais de meia-dúzia na adaptação de Wyler. Contudo, o conteúdo desta história é riquíssimo, da natureza das relações entre os seres humanos à luta pela ascenção social, do conflito entre o que somos e o que queremos ser, entre coração e razão, ... muitos clássicos possuiam a inocência de terem sido os primeiros a abordar certos temas e tal confere-lhes uma força que apenas as obras pioneiras comportam... a de cortar com o passado impelindo novas formas de olhar a sociedade e o mundo, resgar a tradição redirecionando-a. 

Sem ser um filme espectacular, o filme tem algumas marcas daquilo que faz do cinema clássico bastante melhor do que o actual. E sem entrar pelo saudosismo enganador, realço um único aspecto que merca esta diferença de forma muito clara: a qualidade do argumento. Pesem as críticas de João Bénard da Costa (e uma opinião não passa disso mesmo), os argumentos que serviram de base a muitos filmes entre as décadas de 30 e 50 são do que de melhor se fez. Esta adaptação, mesmo que possa não ter sido a mais feliz (e estou a falar de cor) é, tem assim, grande qualidade. Para além disso, possui aquela marca que só o cinema consegue imprimir, de transformar uma obra para alguns, em algo que fica na memória colectiva sem lhe estragar o espírito.

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