Num ano não muito brilhante para o cinema (do que
vi até agora), vi recentemente dois filmes que, não sendo brilhantes, estão
claramente acima da mediocridade média que este ano tem preenchido as salas de
cinema portuguesas.
A Vida de Adele (La Vie d’Adele) e Raptadas
(Prisoners) haviam sido as excepções até agora, filmes que, por sinal, foram
ignorados pela Academia nas nomeações para os óscares… após alguns anos em que
a comunidade cinematográfica americana teve a coragem de reconhecer cinema a
sério e olhar para o que se passa fora das suas fronteiras, eis que este ano
houve um regresso aos “bons velhos tempos”… não vá a concorrência ser demasiado
forte.
A primeira excepção na qualidade deste ano foi
Ciclo Interrompido (The Broken Circle Breakdown, 2012), um filme belga e um
exemplo perfeito do que de melhor pode ser feito em cinema independente.
A história de um casal e da sua paixão, os tempos
idílicos da descoberta do amor, a construção da relação, o nascimento da filha
e a óbvia mudança de foco e respectiva adaptação e depois… tudo muda. E é essa
mudança, sobretudo na relação entre os dois que é retratada quando a doença da
filha invade as suas vidas e tudo passa a girar em torno desse facto. Pior… o
vazio que paira sobre os dois perante a possibilidade do desaparecimento da
criança e as consequências que tal traz para as suas vidas é assustador.
Reaprender a viver uma nova vida, que nada tem a ver com o “antes”, encarar com
coragem a dureza da realidade e a luta pelas vidas que têm pela frente ou
entregarem-se à dor e à revolta perante uma triste partida do destino? É este o
retrato mostrado neste filme.
Para além de uma banda sonora surpreendente (nunca
pensei ver, num filme falado em flamengo, uma banda sonora quase toda composta
por música country), a não linearidade do modo como nos é apresentada a
história na primeira parte do filme trabalha para o clímax emotivo que é toda a
segunda parte, onde o que de mais autêntico têm as personagens vem ao de cima.
Interpretações 5 estrelas.
Interpretações 5 estrelas tem também a segunda
excepção: Filomena (Philomena, 2013).
A histórica verídica de Philomena Lee é
impressionante: uma adolescente dá à luz uma criança e, na Irlanda Católica da
década de 50 vai trabalhar para um convento, onde o seu filho é educado. A
criança é então vendida pelas freiras para adopção e Philomena, atormentada
pela vergonha, passa os 50 anos seguintes da sua vida à procura do seu filho,
em segredo. Quando decide pedir ajuda a um jornalista caído em desgraça, a
possibilidade da sua história ser tornada pública entra em conflito com a
vontade sobre-humana de encontrar o filho há muito perdido. E mais não digo
sobre a história…
A realização está a cargo de um dos valores
ingleses mais seguros da actualidade cinematográfica: Stephen Frears (Estranhos
de Passagem (Dirty Pretty Things, 2002) é muito interessante) e a interpretação
de Judy Dench é daquelas que só ela sabe… a cena em que se apercebe que o
jornalista Martin Sixsmith havia contactado com o seu filho e a sua curiosidade
inocente de uma mulher simples a demonstrar ingenuamente o amor pelos seu filho
de há 50 anos é um exemplo superior de interpretação.
Duas histórias tristes que conferem alguma
qualidade ao cinema de 2013 (A Caça (Jagten, 2012), uma obra brutal de Thomas
Vinterberg não conta uma vez que também pertence a 2012). Dois filmes que juntam
a qualidade à simplicidade de processos, sendo por isso bastante comerciais sem
com isso serem banais.
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