A
fasquia estava alta no que dizia respeito à expectativa com que era aguardada a
desconhecida primeira obra de Harper Lee Vai e Põe Uma Sentinela. Há muito
que não existia um acontecimento literário com esta aura de misterioso glamour,
à antiga, como por exemplo aconteceu com o lançamento da sua única obra
publicada até então Por Favor, Não Matem a Cotovia em 1960.
Harper
Lee, nascida em 1926, até 2015 havia publicado apenas um único livro em toda a
sua vida, Por Favor, Não Matem a Cotovia. Com ele ganhou o Prémio Pulitzer e
obteve o reconhecimento mundial (mas sobretudo norte-americano), sendo a obra
ora incluída ora excluída dos planos escolares americanos, consoante o
conservadorismo ganhava ou perdia peso no hipócrita espaço social estado-unidense.
Em 2010, foi considerado pela Associação de Livreiros norte-americanos como o
melhor romance americano da 2ª metade do séc. XX.
Como
já aqui escrevi sobre ele, não me repetirei o que exprimi na altura (e que não
mudou na essência).
Não
esperava que Vai e Põe Uma Sentinela fosse uma obra com a mesma qualidade e
por isso consegui refrear as expectativas aquando do inicio da sua leitura
(talvez também por isso tenha esperado mais de 2 meses entre o momento em que o
comprei e o momento em que iniciei a sua leitura). E de facto, a qualidade não
é a mesma.
Vai
e Põe Uma Sentinela não é tanto um romance mas sim um tratado sobre o racismo:
a intervenção social sobre o tema que tão bem equilibrado esteve na obra de
1960 com o mundo da infância, é aqui retratado assumidamente em todo o seu esplendor,
O
regresso de Scout a Maycomb nos anos 50, 20 anos depois (do momento em que
decorre a acção de Por Favor, Não Matem a Cotovia) e a realidade com que se
depara compõem o leit motiv para a dissertação sobre as profundas convulsões
raciais que aconteceram na sociedade americana nas décadas de 50 e 60.
Tendo
sido escrito antes, este livro é uma sequela a Por Favor, Não Matem a Cotovia.
Diz-se que o editor, quando recebeu as provas deste livro, gostou tanto das
memórias de infância da personagem principal Jean Louise Finch (Scout) que convenceu Harper Lee a retractar os acontecimentos do passado sob o ponto de vista de uma
criança: era o nascimento dessa obra. Quanto e este Vai e Põe Uma Sentinela,
ficou perdido numa qualquer gaveta editorial até ao ano passado.
As
surpresas são grandes para quem leu (e gostou) da primeira obra de Lee, mas também
sobre isso não me alongarei mais. Vale a pena usufruir da escrita fluída e
atractiva de Harper Lee (se bem que um pouco inexperiente nesta obra) e
perceber porque é que Por Favor, Não Matem a Cotovia não apareceu por acaso:
resulta sim de uma profunda inquietação interior da autora perante as
injustiças sociais da época, bem como as dúvidas daí decorrentes no seu
comportamento e no seu lugar numa sociedade à qual sentia estar a deixar de ter
para ela um lugar.
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