Máscaras

À semelhança dos últimos anos, voltei a mascarar-me neste Carnaval. Ao fim de quatro anos, ainda não sei se o faço por gosto se por simples distracção mas, e isto sei, a cada ano que passa me dá mais gozo incorporar um personagem e, através dele, experimentar ver o mundo de outra perspectiva, ainda que seja um mundo de mascarados uma vez que (ainda) não vou para a rua assim vestido, vivendo eu esta experiência em ambientes “controlados”.
A Mascarilha, loja-armazém situada na Abóboda, voltou a ser o meu fornecedor dos adereços e fantasias que este ano me completaram como hippie (para personificar o personagem e não me diluir num “hippie qualquer”, assumi que era Claude Bukowski, personagem do filme e musical Hair um campónio que se converteu ao free spirit).
Como quase todos os fatos de Carnaval, o meu era quente como uma corrente de ar no Pólo Norte, mas o sofrimento traz consigo a virtude que só a experiência consegue oferecer: à custa de tanto frio rapar nos dois primeiros anos, fui aprimorando os critérios de escolha da indumentária bem como as formas de me proteger da insuficiência térmica: e senti-me confortável no papel de Bukowski.
Compus o personagem com uma cabeleira (de rock star pois não existia nenhuma de hippie de um tamanho capaz de albergar cabeças inteligentes), óculos escuros “à John Lennon” e não me saí mal quando tentei fazer a barba de modo a desenhar umas patilhas até ao pescoço bem como um bigode que descaía até ao queixo. Faltava um detalhe: uma ganza. Ainda pensei em infiltrar-me no submundo “charrado” dos amigos da passa mas o juízo, esse grande ditador, só me concedeu liberdade condicional ao sussurrar: charros não, mas podes fumar cigarros de enrolar. E lá fui à primeira tabacaria que encontrei:

- Boa tarde, eu quero comprar “tabaco de enrolar”, filtros, mortalhas e um isqueiro.
- E de que marca quer?
- Da mais barata e mais pequena: só quero fazer dois ou três cigarros: é para o Carnaval.
- As embalagens agora são todas do mesmo tamanho: já não há as pequenas como antes.
- Quer dizer que só tem as que estão àquele preço? – perguntei apontando para os 7,70€ que vi a marcar os preços de quase todas as marcas.
- Sim.
- Pois…
- Ficava-lhe cara a brincadeira…
- Diz bem: ficava… Obrigado na mesma.

E regressei com a perspectiva de um Bukowski “atinadinho”, uma espécie de hippie-caviar cuja rebeldia se restringe à monumental ousadia de beber uns copos de vinho ao som do Vermelho da Fafá de Belém (como eu adorava aquelas “fafás” na minha adolescência…).

Na tarde do dia seguinte voltei à Mascarilha, desta vez com um casal amigo para que pudessem trocar o primeiro fato de Carnaval do filho (tem um ano e meio). O fato do puto ficou despachado com relativa facilidade mas uma decisão tardia na compra de outra vestimenta (eramos sete) levou-nos desde logo a começar a preparar o Halloween experimentando máscaras e chapéus à medida das nossas cabeças (eu não era o único do grupo cuja cabeça tinha o tamanho inteligente). Parecíamos miúdos e quando, perante uma qualquer anormalidade que experimentássemos, alguém dizia: “Fica-te bem!”, a dúbia sensação de sabermos que um adereço ridículo nos assenta bem lembrava-me de que tudo tem a ver com o modo como o interpretamos.
No meio desta descontracção, muitos miúdos passeavam, riam, gritavam, choravam e corriam entre nós, sempre com os pais mais ou menos por perto. A dada altura, após notar um pai chamar constantemente a atenção dos dois filhos que não paravam de fazer disparates (sim papás: os miúdos fazem disparates), oiço a voz de uma senhora que tentava escolher as fantasias (percebi de imediato ser “a mãe”) proferir esta pérola: “Vocês são as coisas mais horrorosas de todos os tempos. Porque é que isto havia de me acontecer a mim? Que irritante!” cabendo ao pai aplicar a sentença: “Não há ovos para ninguém!” (de chocolate, presumi eu).
Poupando-me aos tentadores juízos que a situação suplica, prefiro acreditar que as coisas mais horrorosas de todos os tempos eramos nós, meros figurantes de um Halloween antecipado, porque naquela tarde, provavelmente fomos mesmo as coisas mais horrorosas de todos os tempos, ainda que nos tenhamos divertido à grande com tal epíteto. Porque é por sermos horrorosos que nos permitimos crescer, sobretudo se o formos enquanto crianças.
Cada um usa a máscara de que mais gosta… ou aguenta com a que lhe servir…


Lisboa, 16 de Fevereiro de 2018

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