Quem
escreve
Reparte perguntando a quem serve
Se a ideia da palavra é forte e leve
Sem nada resolver
Nem sim nem não
Quem escreve
Resume amplificando o dia a dia
Procura mais poesia na poesia
Desmonta construindo
A solidão
Quem escreve
Repara sem reparo apenas vê
Agita o pensamento de quem lê
Dá mais caminho ao sonho que
Fugisse
Quem escreve
Aponta o argumento a entrelinha
A virtude da escrita é ser sozinha
Escrevendo a folha em branco
Que não disse
Quem escreve
Destrava o catavento que lhe indica
O rumo da leitura que não explica
Escrever é a pergunta em movimento
Quem escreve
Liberta ainda mais a liberdade
De amarrar as ideias à vontade
Escrever é o tempo todo num momento
Reparte perguntando a quem serve
Se a ideia da palavra é forte e leve
Sem nada resolver
Nem sim nem não
Quem escreve
Resume amplificando o dia a dia
Procura mais poesia na poesia
Desmonta construindo
A solidão
Quem escreve
Repara sem reparo apenas vê
Agita o pensamento de quem lê
Dá mais caminho ao sonho que
Fugisse
Quem escreve
Aponta o argumento a entrelinha
A virtude da escrita é ser sozinha
Escrevendo a folha em branco
Que não disse
Quem escreve
Destrava o catavento que lhe indica
O rumo da leitura que não explica
Escrever é a pergunta em movimento
Quem escreve
Liberta ainda mais a liberdade
De amarrar as ideias à vontade
Escrever é o tempo todo num momento
Quem
escreve
É sempre aquele que habita o pensamento
É sempre aquele que habita o pensamento
É
sempre o sim ou não do sofrimento
É
sempre o não querer o mal menor
Quem escreve
Rebenta pelas costuras de alegria
Às vezes tem o nome que não queria
Às vezes tem o nome de escritor.
Como surge uma ideia? De onde vem ela? E que mecanismos, mais ou
menos escondidos, possuímos e são activados para permitir o seu
desenvolvimento, percorrendo caminhos que muitas vezes não faziam parte do
guião inicial?
Se o processo criador
tem quase sempre uma vertente inexplicável, normalmente remetida para o
subconsciente onde se estabelecem associações quase fortuitas entre passado e
presente, próximo e distante, amor e ódio, amigos e inimigos, o que fomos e o
que somos, existe contudo uma parcela que tentamos explicar, justificar ou
dissecar, com um conjunto de qualidades e defeitos que identificamos no lado
consciente que nos forma.
Olhamos para a
atenção que dispensamos ao mundo que nos rodeia, para a capacidade de síntese
ou de descrição que desenvolvemos, para o gosto com que tentamos traduzir a
realidade através de uma linguagem diferente, ainda que as palavras, a música
ou as imagens que utilizamos sejam aquelas que todos utilizam… apenas tentamos
combiná-las de forma distinta. E depois, surge o motor que faz mover toda esta
engrenagem consciente e inconsciente, que junta as peças do puzzle de modo a começar a dar forma à
imagem, a fazê-la parecer-se com algo que faça sentido… para nós… e para os
outros: a necessidade. Porque a partir do momento em que uma ideia se forma e o
seu desenvolvimento tem inicio, é posta em marcha uma panóplia de recursos que
consomem muita da nossa atenção, uma necessidade extrema (não totalmente mas
quase) de expressar o que se quer da forma que se quer e que, por ironia do
destino, não vem quando se quer, mas quando ela, a ideia, quer…
E pode nunca
voltar a vir.
Não sei se
possuímos a capacidade de criar o momento capaz de gerar a necessidade de conceber,
desenvolver e expulsar uma ideia, ou se é o nosso “eu” mais escondido quem faz
esse trabalho cabendo-nos a nós, dominadores da vontade e da razão, a função de
receber os sinais e mostrar disponibilidade para os libertar sob uma qualquer
forma de arte.
Mesmo que nunca
ninguém venha a gostar.
Porque, uma vez
ultrapassada a óptica meramente comercial, não importa se existe um milhão, um
milhar ou um único ser a gostar daquilo que fazemos. Não o fazemos por eles mas
por nós, porque foi essa a forma encontrada que melhor exprime o que queremos
dizer, e isso é uma necessidade que temos de transmitir, não uma vontade que o
outro tem de receber. Pode acontecer haver quem se identifique e faça gosto em
experienciar o que de tão fundo nos saiu, mas encontrar alguém em quem uma obra
reflicta algo tem de ser uma consequência e não uma causa.
A vontade
premente de libertar o que sentimos para que o peso nos saia de cima, essa, é
só nossa. E surge nos momentos mais inconvenientes, inesperados, engraçados
até. Porque podemos estar duas horas em frente a um teclado, uma folha de papel
ou uma tela e nada mais do que uma crescente frustração se forme no nosso
horizonte interior, como podemos estar num café, no metro ou no escritório e
sentir um impulso de tal forma arrebatador que, se não registarmos o que dele é
gerado, desaproveitamos o ímpeto deixando passar o “momento mágico” em que o
que sentimos está em sintonia com a forma como o exprimimos. Podemos mais tarde
tentar replicar as sensações dessa “magia”, mas por certo não sairá como se o
tivéssemos feito no instante em que sabíamos ter os astros alinhados.
É provavelmente a
isto que se chama inspiração ou insight.
Mas esta aparente falta de controlo sobre o “como” e o “quando”, e a constante
tentativa de domar esta aleatoriedade, estruturando o livre brotar de algo que
segundos antes podíamos nem imaginar que possuíamos, em algo compreensível,
traduzido para uma linguagem na qual nós e os outros possamos identificar qualquer
coisa, permanece um mistério para mim. Esta dualidade, se por um lado é o que
faz mover a arte, por outro torna a vida de um artista tão incerta, insegura e
imprevisível… e se deixa de vir até ele a água límpida desta fonte criadora? E,
mesmo que ela não deixe de correr dentro de si, se lhe foge o engenho para
dominar a corrente e fazer dela o espelho de água onde muitos possam ver o
próprio reflexo?
Os “ses” que em
nós plantam o medo são os mesmos que nos fazem avançar. Se nunca mais se der
esta confluência de estados, tanto pior, mas se por uma
vez na vida a houvermos experimentado e tivermos tido a sorte e a arte para a
ter aproveitado, então, ainda que fiquemos com pena de não voltar a sentir
tamanha sensação, temos a certeza de ter experimentado algo que alguns nunca
chegam sequer a sentir o aroma.
Um pouco como
estar apaixonado, só que numa versão mais rara.
“As pessoas que têm um lado criativo e não o vivem
são os clientes mais desagradáveis. Eles fazem de uma colina uma montanha,
preocupam-se com coisas desnecessárias, estão loucamente apaixonadas por alguém
que não merece tanta atenção, e assim por diante. Existe nelas uma espécie de
carga energética flutuante que não está ligada ao objeto certo, e por isso elas
tendem a aplicar um dinamismo exagerado à situação errada.”
Marie Louise Von Franz in A Sombra e o Mal nos Contos de Fadas,
Paulus, 3ª edição 2002
Lisboa, 12 de
Janeiro de 2018
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