Não sei até que ponto me interessa encontrar a resposta para a pergunta Até quando é possível continuarmos a gostar
de fazer algo para o qual não temos qualquer aptidão? Ainda que, num assomo
de boa vontade, eu conceda admitir que com trabalho e perseverança o
aperfeiçoamento é possível (a utilização da palavra ‘aperfeiçoamento’ está
carregada de um optimismo por demais ingénuo no caso concreto), não deixa de
ser verdade que não nasci para dançar (se é que alguém nasce para coisa alguma
neste mundo).
Mas gosto.
Isso é para mim o mais curioso porque, apesar da frustração e de há meses
sentir que ando a malhar em ferro frio,
não deixo de gostar e de continuar a tentar, o que constitui uma novidade e até
motivo de algum espanto uma vez que não faço ideia do porquê desta insistência
quando está na cara que o jeito para abanar o corpo é uma virtude que não quer
nada comigo.
O Orgulhe! não é um festival; não
são férias; não são aulas; não são festas; não é dança; não é praia; não é
profissão; não é amizade... e no entanto, é tudo isso. Poderia tirar todos os
‘nãos’ que as afirmações continuariam verdadeiras.
Quando me inscrevi, cerca de dois meses antes, fi-lo para os últimos dois
dias do evento (que tem a duração de quatro). Não tirei férias nem coloquei tal
hipótese: gosto de dançar mas não ao ponto de alocar dois dias livres para
isso, ainda que o Orgulhe! tenha tido
lugar no sotavento algarvio, a minha região favorita do sul do país (reminiscências da infância talvez, dos muitos verões
passados em Vila Real de Santo António…). A
localização foi aliás um factor com um peso determinante na decisão de ir (eu
arriscaria até a dizer que foi mais importante do que a dança). Tão
descontraído e entusiasmado estava eu quando confirmei a minha presença que só
semanas mais tarde percebi que iria faltar ao aniversário do meu pai…
Como sempre, não liguei aos anúncios a respeito do evento, dress codes para as diferentes noites,
pontos de encontro, etc… senão quando parti: sabia onde tinha de ir ter e a
hora a que nos reuniríamos para o jantar.
Dei boleia à Margarida, que me salvou de uma viagem entediante pelo meio do
deserto alentejano no final da tarde sexta, tendo chegado ao aldeamento pelas
oito da tarde onde a primeira coisa que fiz foi dirigir-me à casa onde
pernoitaria para tomar um g’anda
banho (mal sabia eu então que aquele seria o único banho decente que eu tomaria
durante todo o fim-de-semana). Uma casa
de quatro é relativamente tranquila, pensei eu enquanto deambulava pelas ruas
e relvados de Pedras d’el Rei ,já
lavadinho, à espera de conhecer os meus companheiros de casa. O ponto de
encontro para o jantar havia passado das 21:00 para as 21:30 pois o grupo que
havia iniciado as actividades estava atrasado (percebi que, mais do que uma
excepção, a descontracção perante o atraso é aqui uma forma de estar na vida).
A dada altura começa a entrar-me gente pela casa… uma miúda nova, um gajo
grande, uma rapariga pequena, outra, mais um tipo, outro… contei oito quando
resolvi sair da Residência Espanhola
em que se havia convertido a casa que me acolhia, com a convicção profunda de
que não iria dormir nada, uma modalidade que não me é estranha dadas as poucas
horas de sono que utilizo para carregar baterias (apesar de não ser como o
presidente Marcelo que não dorme nem precisa… eu, embora não durma, preciso, e
por isso uma parte não desprezível do meu dia é composta por bocejos e
sonolência, mas como a praia fica à
distância de um comboio do aldeamento, posso sempre encostar-me… pensei). Consegui ainda assim perceber quem eram os hóspedes e os ‘penetras’
da minha casa: aparentemente, uns vinham apenas tomar banho.
Fomos jantar ao Chicken Piri Piri
para dançar pouco depois numa sauna contigua àquela onde comemos e onde fazia
um calor que me torrava o cérebro e os movimentos (desta vez a desculpa que
encontrei para a performance falhada foi o calor).
Dormi quatro horas.
Os doces algarvios e a cafeína de classe mundial (a avaliar pelo preço)
acordaram-me nos dois dias em que por ali andei, bem como um mergulho matinal
na praia após o trajecto no comboio que atravessava a ria. Tenho tido sorte com
o tempo sempre que venho para estas bandas e este fim-de-semana não foi
excepção: água fantástica, sol agradável e pouca gente na praia. Depois: toca
de ir para os workshops.
Um ambiente é construído por uma mescla de lugares, programas, planeamento
e materiais, mas o que agrega tudo isto num todo maior do que a soma das partes
são as pessoas, e essas foram brilhantes… da organização da Célia e do Lino onde
nada era motivo para stress (pelo
menos aparentemente) mas sim para boa disposição; dos professores, uns que eu
já conhecia (não obstante eles não me conhecerem) e outros que nunca havia
visto; e dos participantes, essa massa heterogénea onde apanhamos de tudo mas
onde tudo foi bom.
Se há um ano me dissessem que eu estaria a dançar (por facilidade de
linguagem falo como se dançasse senão teria de estar constantemente a explicar
que na realidade não danço mas arrasto os pés, bla, bla… o que seria fastidioso) eu não acreditaria quanto mais
dançar na praia… se me dissessem que iria tomar banho num balneário de um bar
de praia para me preparar para a noite cujo dress
code era ‘brilhante’ (fui de calções e t-shirt)
onde uma moeda de um euro dava direito a três minutos (quatro no máximo) de
água quente tendo eu que me desdobrar, qual contorcionista em fast forward, para conseguir tirar todo
o sal que os muitos mergulhos ao longo do dia me agarraram ao corpo bem como a
areia que teimava em não desgrudar antes que a água esgotasse (a experiência do
Caminho de Santiago, há um mês, ajudou e de que maneira a desligar o ‘complicómetro’
nestas paneleirices logístico-confortáveis).
A noite foi fantástica, tal como o entardecer havia sido pouco antes;
confirmei que gosto mais de bachata do que de salsa, que o entardecer é a meu
momento do dia preferido e que dois ou três copos de vinho me queimam o paladar
fazendo de mim um ‘bom garfo’, capaz de apreciar manjares que sempre havia
recusado.
Dormi quatro horas.
No último dia não tomei banho senão no mar (e também quando cheguei a casa,
já próximo das três da manhã).
Mais dança, mergulhos e uma decisão de última hora que me levou a ficar
para a actividade da tarde e para o jantar, algo que sabia que iria tramar a
segunda-feira de trabalho, mas isso só seria noutro dia.
No paddle que fizemos na ria, a
grande ‘cansera’ com que o Lino não se cansou de qualificar o passeio ia sendo
boicotada: bem que tentei virar (inadvertidamente) a prancha mas não fui bem
sucedido nos desequilíbrios. Epá! Quem é
que está a fazer isso?! dizia ele como se eu estivesse a fazer de propósito
(eramos ora quatro ora cinco na prancha, de acordo com o êxodo de alguns
distintos exemplares da espécie ‘orgulhosa’ que não encontravam poiso em
prancha alguma… julgo que o quinto lugar disponível foi ocupado pelo menos por
três nómadas).
Jantámos e partimos às onze da noite (a Ana juntou-se a mim e à Margarida
para o regresso) e a viagem decorreu tranquilamente.
Dormi três horas.
Achava que tanto atraso não era para mim.
Mas foi.
Achava que a confusão (da falta) dos banhos, praias e afins não era para
mim.
Mas foi.
Achava que dormir pouco nas únicas noites disponíveis não era para mim.
Mas foi.
Achava que estar no meio de desconhecidos não era para mim.
Mas foi.
Foi de tal forma que para o ano voltarei.
Lisboa e Caparide, 28 de Junho de 2018
Comentários
Beijinhos