#1 Colonoscopia
Quando o senhor doutor me disse que teria que fazer uma colonoscopia eu já
suspeitava de que um exame “chato” estava na calha. A troca de olhares e a
conversa em surdina entre a minha prima e o meu tio (que me acompanhavam na
altura) levou-me a suspeitar de que iria perder a virgindade (até àquele
momento, apenas água e sabão haviam entrado pela porta dos fundos).
Ouvi então testemunhos de outras vítimas… eu fiz sem anestesia, e não foi dos exames de que mais gostei… pedi para me porem a dormir: foi uma
maravilha… vais sentir um bocadinho,
mas também não é nada assim tão mau… em relação ao que tem que ser, as
opiniões servem para pouco se não vierem abortar a missão.
Dias mais tarde, já mentalizado por esse “tem que ser”, fechei-me em casa
para tomar os quatro litros da “preparação”. A Itália jogava com a França a
final do Mundial de 2006 (nunca mais me esqueci!) e antes ainda do apito
inicial, levei o primeiro gole à boca… dizer que me ia vomitando todo é pouco
mas não encontro palavras para descrever o efeito vulcânico que aquele sabor
teve nas minhas entranhas. Que me iria desfazer em merda, já eu esperava, agora
esmifrar-me por baixo e por cima... Foda-se! Baunilha dizia na caixa! Eu já tinha provado iogurtes de baunilha,
gelados de baunilha, sobremesas de baunilha e nunca nenhum me havia levado ao
vómito… Baunilha não é aquilo: aquilo é uma merda mesmo!
Nas “abertas” que os quatro litros me concediam (é verdade: quatro litros
de tortura tormentosa), emborquei quatro latas de Ice Tea que a minha irmã simpaticamente havia ido buscar. Qualquer
destas dietas da moda (a dos 28 dias, a do Paleo, a do Detox, a da Proteína,
etc…) é um banquete no Tromba Rija
comparado com este tratamento de choque.
Naquela tarde bebi mais de cinco litros que me boicotaram o gosto pela
baunilha durante dois anos!
Dia seguinte: exame!
A senhora que entrou antes de mim sai a chorar dois minutos depois,
correndo para os braços do marido… Não
consigo fazer isto!. Virei-me para o meu pai e antes de ele dizer o Não te preocupes já eu tinha sentenciado:
Estou fodido!
Fiquei à porta do consultório perante o sorriso da médica e da enfermeira.
Não foram necessárias palavras para elas me responderem Não se preocupe com a senhora que acabou de sair daqui! Respondi
que não era com ela que eu estava preocupado!
Fiz o exame com anestesia mas sem dormir. Não custou muito. O que não quer
dizer que tenha gostado… e muito menos que o queira repetir!
#2 Dúvidas de miúdo
No tempo das disquetes, eu achava estranho um programa ocupar vários
dispositivos sabendo o processo de instalação que disquete pedir, não se
deixando enganar se eu o tentasse baralhar trocando a ordem das mesmas.
Nunca tendo sido grande viciado em jogos de computador, fascinava-me um
jogo espalhado por várias disquetes. E não compreendia porque não podia colocar
logo a última para poder jogar o último nível!
Creio que fiz este comentário duas vezes (são as que me lembro) e em ambas
esbofetearam-me com a mesma resposta: “Ai que estúpido!”
Continuo na ignorância mas pelo menos já não me chamam estúpido (por esse
motivo).
#3 O Jogo
Quando a Laura fez anos ofereci-lhe o jogo “Cartas na Testa” (que aparece
no filme Sacanas Sem Lei). No jogo,
cada jogador tem uma carta com uma imagem de um animal na própria testa e tem
que adivinhar que animal é colocando ao outro questões cujas respostas têm de
ser de “sim” ou “não”.
Estávamos a jogar quando ela me diz o animal que eu tinha na testa. Voltei
a explicar-lhe as regras e recomeçámos o jogo. Eu perguntava e ela respondia perguntando-me
de volta a mesma pergunta que eu lhe havia feito sem processar a resposta que
eu lhe dava. Imitava-me apenas.
Repeti a explicação tentando encontrar outras palavras: tinha de descobrir
que animal estava na testa dela. Fez que sim com a cabeça, tal como eu faço
quando me explicam uma coisa pela segunda vez e sinto que, se não entendi é
porque aquele assunto de merda não vale mesmo a pena.
Cansada de não perceber o jogo, a Laura arrisca uma jogada de génio: Não queres perguntar se tem tromba?
Nesse momento soube que podia fazer o xeque-mate e ganhar o jogo. Já o
havia feito noutras ocasiões para irmos repartindo as alegrias das vitórias com
as frustrações dos fracassos. Resolvi deixá-la ganhar sem que ela tivesse
percebido muito bem como (foi com ajuda), mas quando lhe expliquei que, ao
saber que tinha penas, que tinha bico, e que fazia Quá Quá não podia ser uma cobra, quis jogar outra vez. E então
começou a dar luta.
Não voltou a pedir para eu perguntar se tinha
tromba.
Biblioteca de São Domingos de Rana, 1 de Dezembro de 2018
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