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Peregrinos pouco depois de saírem de Caldas de Reis |
Já quase tudo foi dito no Diário de Santiago. No entanto, nada será igual quando eu regressar
este ano ao Caminho; ainda que volte a fazer o Caminho Central Português; ainda
que volte a partir de Valença; ainda que nele me volte a demorar seis dias;
ainda que volte a conhecer gente boa como a Anabela, a Albertina, a Júlia, a
Maria, o Hélder, o Paulo, o Rui, o Sr. Armindo, a Isabel, o Emanuel, o Joaquin
ou o Ivan; ainda que volte a dormir duas horas por noite como aconteceu no “mítico”
albergue de Pontevedra; ainda que volte a Finisterra para, emocionado, sentir
ter alcançado o verdadeiro fim do Caminho; ainda que o volte a percorrer com a
Patrícia e com a Sandra, com outros amigos que se queiram juntar ou sozinho. No
Caminho nunca estamos sozinhos.
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Algures entre Porriño e Redondela |
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Puente Sampayo - Arcade |
O Caminho de Santiago mostrou-me o quanto as experiências
podem superar as melhores expectativas que levamos, sobretudo quando partimos
desalentados, sem uma causa, crença ou sonho. Em Maio do ano passado coloquei a
tralha na mochila pelas três e meia da manhã de sexta-feira: sete horas depois estávamos
no autocarro a caminho de Valença.
Tudo o que passámos e sentimos daí em diante, por mais
palavras que eu gaste a descrever as paisagens ou as experiências, é-me
impossível exprimir; o Caminho de Santiago não se conta: só vivendo é possível
entender plenamente como é cheia esta ausência de explicação.
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Redondela - Pontevedra - a "etapa rainha" |
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Redondela - Pontevedra - além de "rainha" foi a etapa mais bonita |
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O caminho alternativo junto ao Rio Tomeza, à chegada a Pontevedra - um dos troços mais bonitos |
Foi em crescendo que me fui ambientando ao Caminho, pois
normalmente é assim que quase tudo me acontece: estranha-se primeiro; entranha-se
depois. Não foi um entusiasmo inicial que foi esmorecendo mas o inverso: um
desencanto de partida que, sem nunca ter posto em causa a minha intenção de
seguir, se foi convertendo, sem que eu desse por isso (como tantas vezes
acontece com as conversões), num vício que matou a vontade de acabar.
Podia referir em como é o Caminho e não a chegada o que faz
tudo isto valer a pena (daí a desilusão quando entrámos em Santiago); podia
referir que há tantos Caminhos num único Caminho quantos os peregrinos que se
atrevem a percorrê-lo; podia referir que o Caminho nos mostra o pouco de que necessitamos
para viver algo intensamente. Mas tudo isso (e muito mais), além de se reduzir
a um amontoado de clichés, já o
referi no Diário de Santiago. E ainda
assim, nele não consegui manifestar aquela coisa especial que sentimos sem
definir, aquele renascimento que nos faz olhar para a vida que deixámos com o
distanciamento necessário para atribuir a cada aspecto que a forma a sua real
importância.
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A experiência mais surreal do Caminho - o Albergue Municipal de Pontevedra |
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O despertar em Pontevedra |
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Pontevedra – Caldas de Reis – um desvio que vale pela etapa |
Cascata do Rio Barosa – desvio obrigatório
Gostaria de poder dizer que vivi tanto neste ano, que o
Caminho mudou a minha vida ou que vim diferente de Santiago. Mas não… posso
apenas afirmar que vivi o suficiente para, passado quase um ano, a vontade de
voltar não só não ter esmorecido como ter começado a fazer parte de uma forma
de estar na vida: voltar ao Caminho com a regularidade que ela me permitir (o
Hélder regressa uma vez por ano para
voltar a acreditar na Humanidade J)
Uma vez por ano a… dormir mal; comer pior; ter dores nas
costas, nas pernas, nos pés, nos ombros; levar a vida de sete dias numa mochila
de 40 ou 50 litros; partilhar camaratas, casas de banho (e pensar que em tempos
jurei nunca o fazer utilizando o argumento mais pedante do mundo: Já não estou nessa fase), comida,
experiências, conversas ou simplesmente o silêncio, caminhando lado a lado… em
silêncio.
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Caldas de Reis é uma cidade (ou vila?) bonita |
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Há momentos para tudo |
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O Albergue de Padrón - O "Hilton" do Caminho Central Português |
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Em Padrón, o Pepe distribui abraços pelos peregrinos que param no seu estabelecimento |
Gostava tanto de ser mais específico, concretizar esta
paisagem, aquela peripécia ou os melhores lugares para comer ou dormir. Mas a
experiência do Caminho está muito longe de poder ser replicada num Guia
Turístico, Espiritual ou qualquer outro. Não cabe nas palavras que me esforço
por encontrar. Resta assim uma única possibilidade para descobrir a chave capaz
de decifrar esta sequência de ideias vagas: percorrer o Caminho.
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Finisterra: o fim do Caminho |
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Finisterra - O "quilómetro zero" |
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Finisterra: A Bota do Peregrino: ilegal mas obrigatório queimar uma peça de roupa |
Caparide, 30 de Janeiro de 2019
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