No tempo em que as
taxas de juro mereciam um acompanhamento da evolução da poupança na conta a
prazo, eu consultava, umas duas vezes por mês talvez, os diferentes produtos
onde tinha dinheiro aplicado. Não que tivesse muito: tinha pouco mas
distribuído por muitos (produtos). Assim que juntava algum, normalmente o
mínimo que permitia constituir uma aplicação (sempre sem risco de capital,
pensava eu até o meu banco de poupanças mudar para esse nome tão moderno
chamado Novo Banco!) aplicava o
dinheiro pois as taxas de juro estavam em declínio acelerado e no dia seguinte
podia já não conseguir a taxa que acabava de consultar na net.
Num desses dias em
que consultava o saldo para ver se algum juro havia caído na conta à ordem,
deparo-me com um valor muito superior ao que eu havia visto duas semanas antes!
Durante alguns segundos, fiz um esforço de memória, desejando com quanta força
tinha estar equivocado e não me lembrar de que aquele dinheiro era mesmo meu… mas
não vislumbrei sinal algum de que eu ou alguém tivessem feito uma transferência
para a minha conta. Fui para casa pensar no assunto e no dia seguinte, depois
de ter concluído que aquele dinheiro não me pertencia, liguei para a gestora de
conta para reportar o sucedido.
- Isso é muito
estranho! – disse ela de imediato – Tem a certeza disso?
- Tenho. – respondi
– Consultei várias vezes, saí da minha área online
e voltei a entrar e o dinheiro continuava lá.
- Mas quanto é que
me disse que era?
- Então, era mais
ou menos X€
- Mas isso é uma
grande diferença em relação àquilo que o sr. António Dias tem!
- A quem o diz! –
disse-lhe eu já meio no gozo – Não é que eu não quisesse, mas de facto não é
meu.
- Deixe-me
consultar o saldo.
- Sim, esteja à
vontade. – eu estava à vontade. Passados alguns segundos veio a resposta
- Mas o seu saldo é
Y€ (= ao que eu sempre havia tido)! – devolve ela admirada embora sempre com
uma simpatia irrepreensível. Eu é que, começando a não achar graça à situação,
deixei de dar importância à sua simpatia.
- Deixe-me ver. –
pedi-lhe, embora adivinhando o que iria ver: o saldo que eu sempre tivera havia
sido reposto – Tem razão! Olhe: não sei o que aconteceu!
- Tem certeza de
que era esse o montante?
- Tenho a certeza
absoluta: eu vi o valor várias vezes… – e num instante vi o filme todo
apercebendo-me do que tinha acontecido: não dei parte fraca – Bem, deixe estar.
Muito obrigado e peço desculpa pelo incómodo.
- Mas não quer
tentar perceber o que se passou? Agora fiquei intrigada! – eu não queria tentar
perceber com ela o que se tinha
passado porque eu já sabia.
- Não vale a pena:
se está tudo reposto, já não há questão. Se calhar fui eu que vi mal. – disse
eu, sabendo que tinha visto bem – Muito obrigado mais uma vez!
- Há mais alguma
coisa em que eu possa ajudar?
- Não obrigado: é
tudo. Um bom dia para si.
- Tenha um bom dia
sr. António Dias.
Uma vez, da qual eu
já não me lembrava, o meu pai havia-me feito 2º titular de uma conta sua no
mesmo banco…ao consultar os meus produtos, o montante daquele produto/conta sobressaía
entre as migalhas que todos os meses eu juntava aos bochechos.
E foi assim que por
um dia acreditei que a minha “riqueza” havia multiplicado, qual milagre bíblico.
Só mais tarde contei esta história ao meu pai, concluindo que só tive pena de
não ter resgatado logo o dinheiro. Vê lá
o que é que fazes foi ao sua resposta meio no gozo (mas só “meio”).
Hoje tenho quase o montante
que vi naquela aplicação e que julguei ser meu. Mas não me considero rico. A Riqueza está em (quase) toda a parte (roubando o título a um
livro infantil cuja capa serve também para este artigo) mas, sei-o hoje, não
está ali ou, corrigindo, a maior riqueza que temos não está expressa na conta
bancária nem no que ela consegue comprar. Se eu acrescentasse aquele montante
ao dinheiro que hoje possuo mas voltasse a ser quem era naquele tempo, não
seria mais rico do que sou hoje.
Biblioteca
de São Domingos de Rana, 12 de Janeiro 2019
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