10 euros = 11,22 litros


Meti anteontem gasolina pela n-ésima vez este ano, e pela n-ésima vez repeti o exercício com o qual masoquistamente engano o tempo que vai do momento em que o combustível começa a entrar no depósito até ao “estalo” que a máquina devolve a avisar que o mesmo está cheio. O exercício consiste em observar, numa simultaneidade alternada, os dois contadores digitais e, à medida que eles avançam, ir estabelecendo (mentalmente) barreiras, um valor a pagar que não deverá ser ultrapassado… uma espécie de aposta comigo mesmo cujo resultado é puramente determinista uma vez que o preço por litro está definido à partida. Uma estupidez portanto.
Tenho carta desde 1999 e logo, abasteço desde então. Sempre fiz o mesmo exercício e, não me recordando da relação na altura do escudo, lembro-me de, durante muito tempo, colocar 11,22 litros de gasolina no Peugeot 205 Junior (carcaça que partilhei com a minha irmã mais velha) com 10,00€! 0,891 €/litro!!! Bons tempos esses dos preços controlados em que os impostos de todos subsidiavam a gasolina que eu consumia...
E as discussões que aquele bólide gerava… Quem deveria utilizar o carro em determinada noite?; Quem tinha deixado o depósito na reserva?; Quem tinha ‘afogado’ o motor? (normalmente era eu pois fechava o ar sempre que o chaço não pegava com o frio da manhã – o que ocorria não poucas vezes – e a meio da viagem lá me lembrava de que me tinha esquecido dele fechado: de então para cá, a minha memória deteriorou-se a olhos vistos… ainda bem que a abertura do ar passou a ser automática…).
Vejo os números avançar numa cavalgada assimétrica, os euros afastarem-se dos litros isolando-se na frente daquela corrida fatalista e penso se o preço daquele produto não será calculado numa jaula recôndita por um macaco sado-esquizo-depravado com base numa aleatoriedade previsível, simplesmente pelo divertimento de ouvir tranquilamente os protestos e assim gozar com quem necessita do combustível para fugir à moda das bicicletas ou ao calvário dos transportes públicos. Sem saber a razão, vem-me muitas vezes à ideia um chimpanzé… não sei porquê mas gosto da ideia de um chimpanzé a calcular os preços da gasolina: enjaulado num escritório da capital, lá vai gozando o pagode com as suas contas não euclidianas… Esta semana vou pôr o preço por litro igual a 1+π/5 (1,628 €/litro); Para a semana talvez o fixe em φ (1,618 €/litro – o número de outo que os místicos tanto veneram… tal como o chimpanzé); Amanhã dependerá de uma relação complicadíssima entre a média do preço do derivado nos últimos “x” meses no mercado internacional, a taxa de câmbio, a margem de refinação, a cotação da batata-doce nos saudosos supermercados Feira Nova e o número de vezes que o presidente Trump se levanta para mijar durante a noite e resolve, numa manifestação esquizoide em tudo alinhada com a minha – chimpanzé do preço de combustíveis – vomitar um “Tweet Covfefe” com uma imprevisibilidade maior do que o que resulta de um Movimento Browniano Geométrico. Imagino o “olhar coitadinho” que nos lança, como só os animais irracionais conseguem fazer, atrás do qual funciona um cérebro maquiavélico a vociferar Paguem! Se não refilam por causa do preço do tabaco, do bilhete para o festival de música, da peça de teatro, do jogo da bola, ou até da gatunagem do parquímetro, porque é que haveriam de levantar a voz por causa de 55€ que vos permitem percorrer700kms?!
É mesmo macaco…
(se tal chimpanzé existisse, o PAN passaria logo para o lado do grande capital, da industria poluente e do automóvel tradicional, só para defender o direito ao emprego do pobre macaquito)
É inútil o meu exercício: perco sempre. Contudo, e porque aquele tempo é demasiado curto para ser preenchido com algo mais útil, não deixo de o repetir, na vã esperança de ver chegar o dia em que 1+π/10 €/litro se torne realidade.
E eu até tenho sorte porque o depósito do meu carro só leva 40 litros...

Marinha Grande, 11 de Novembro de 2018

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