Teoria da Conspiração



A Serra de Sintra tem sido, desde que me lembro, palco de inúmeros episódios de maior ou menor pujança sobrenatural. Dos clássicos regabofes de feitiçaria, sacrifícios, fogueiras nocturnas ou góticos carnavalescos que dão vida (ou morte?) à sinistra noite serrana, até aos modernos espaços quântico-holístico-neuronais (de certeza que existem alguns na Serra de Sintra mas claro que nós não os vemos… só se “elevarmos a nossa consciência a um outro nível”), nada escapa ao oculto estrelado que por ali se passeia.
Sempre que estes temas do além vêm à baila, é engraçado constatar as posições mais ou menos assumidas de quem está no grupo em questão, do modo como alguns só assumem a crença depois de outro dar o primeiro passo, de como outros se mantêm irredutíveis sob a couraça da sua racionalidade ou de como o receio, o respeito, a fragilidade ou a crença pautam os comportamentos quando se trata de aflorar o tema. Nem sei bem se existe alguma posição “mais respeitável”: se fica melhor assumirmo-nos como racionais, superiores a qualquer manifestação (ainda) inexplicável ou se é mais lúcido quem se agarra com o ar mais lógico-condescendente a qualquer disco voador, aura luminosa ou vida passada.
Pela parte que me toca, percorri o trajecto da crença para a objectividade: despi-me dos monstros e papões da infância, da religião (disrupção difícil mas necessária) e passeei a curiosidade por variados temas como a Lei da Atracção, a Astrologia, a Quiromância ou as Energias. Concluí, não por vontade mas porque a vida e a necessidade de assumir a responsabilidade pelas minhas acções, assim o determinaram, que a objectividade e a sensibilidade formavam o caminho onde me sinto melhor. Teve pouco a ver com qualquer formação-base que eu possa ter tido na vertente científica mas mais com esta noção de responsabilização e de deixar de ver lógica em acontecimentos cuja relação causa-efeito só acontecia na cabeça daqueles que queriam ver algo. Mais: apesar de que muito daquilo que nos acontece nos ultrapassa, parece-me uma forma pobre de honrar o espírito humano e a capacidade de pensar colocarmos a decisão daquilo em que temos uma palavra a dizer nas cartas, no Universo ou nas borras do café.
Por mais de uma vez fiz a travessia nocturna da Serra de Sintra com o Francisco: nunca tivemos qualquer Encontro Imediato do 3º Grau, com muita pena minha. Nunca ninguém quis vir connosco… numa das vezes o Carlos, sem grande convicção, disse, depois de provocado: Eu não tenho medo: a minha mãe é que marcou um jantar com a minha tia, logo para esse dia. Marcou tanto o jantar que eram nove da noite e estava ele a levar-nos à Biscaia, depois de termos deixado o carro na vila para começarmos o passeio. O jantar era na margem sul… e às nove da noite ele estava e deixar-nos na serra… apostava um tomate em como esse jantar nunca aconteceu.
Fiz depois, com um grupo de amigos, um outro passeio, que se pretendia nocturno, mas que alguns “desejos” foram empurrando para o “fim da tarde”… é certo que terminámos pelas onze da noite mas ok… fomos depois tomar um copo ao Moinho, sem nunca nos termos cruzado com uma vassoura voadora nem termos assistido a um ritual satânico.
A Serra permaneceu sempre tranquila noite dentro, com um ou outro barulho de algum esquilo, pássaro ou leopardo que por ali se deslocasse, mas nada de particularmente assustador. Não significa isto que nada se passe mas tão só que provavelmente eu tenho tido azar nas minhas incursões nocturnas pelo Monte da Lua.
Creio que a cena real mais assustadora que me chegou não se passou comigo: houve tempos em que pratiquei Orientação e por vezes ia (ou íamos) para a Serra treinar. Num treino que o Francisco fez sozinho num final de tarde na zona do Pisão, ao descer uma ladeira com vegetação mais densa, resolveu saltar para o solo plano, em baixo, evitando os arbustos que se interpunham entre ele e o final da encosta. O barulho da aterragem despertou uns “Ah!” bem perto que ecoaram na voz do meu amigo outros “Ah!”, provavelmente de maior intensidade, tal foi a surpresa ao perceber que não se encontrava sozinho. A mesma surpresa deverá ter assolado o casal que tranquilamente dava uma pinocada “ali ao lado” do local onde o Francisco aterrou com o seu fato de treino. O Francisco trouxe apenas um susto e uma história para contar; já o casalinho deve ter visto gorado o momento literário com que enquadravam o amor no mais belo palco natural do Período Romântico. Mas também eles não deixaram de trazer uma história para contar. Só não sei é se alguma vez a passaram a alguém tal qual aconteceu… imagino… estávamos a pontos de atingir o expoente máximo do amor quando, de trás dos arbustos, salta aquele caixa de óculos para se estatelar mesmo ao nosso lado… murchou-se-nos logo o romance.
Nunca tive um Encontro Imediato do 3º Grau como o Chico mas conheci um tipo que viveu algo digno de um filme. Na minha época de young adult (como agora se classifica um subgrupo do público literário) fiz parte de uma associação tipo Clube dos Poetas Mortos chamada 100 Ideias. O Chico era o presidente da Associação e, a cada duas semanas, reuníamos na garagem dele, às 6ªas ou sábados à noite, para debater um tema. Certa vez apareceu por lá o irmão de uma rapariga que também ela tinha vindo trazida por não sei quem (desculpo-me a falta de memória: estes acontecimentos vão a caminho dos vinte anos). Não sei a que propósito, a conversa embicou para Sintra à Noite… levámos a maior tanga que alguma vez alguém nos pregou: o tipo tinha ido andar de bicicleta à noite para a Serra (não me recordo se acompanhado mas creio que sim); deram com umas instalações militares e umas movimentações “estranhas”; os militares toparam-nos e vieram no seu encalço; os “nossos heróis” puseram-se na alheta pedalando com quanta força e vontade tinham; os jeeps da guarda aproximavam-se; despistaram-nos por uns trilhos que o “nosso herói” conhecia; quando se julgavam a salvo, “sobe” um helicóptero que havia contornado a serra sem que eles tivessem dado por isso ficando frente a frente com eles (não sei porquê mas, neste ponto da história, todos aqueles filmes dos heróis solitários – cujos cérebros havia escorrido para os músculos – dos anos 80 vieram-me à memória, em particular o duelo final do Rambo III); toca de fugir novamente, agora com os jeeps “E” o helicóptero no seu encalço… não me lembro do resto da história mas o tipo estava naquela noite na garagem do Francisco para nos tangar, por isso a “perseguição assassina na noite de Sintra” teve um final feliz e o “nosso ciclista” terá conseguido endrominar todo um batalhão de militares, agentes secretos e conspiradores que trabalhavam em algo muito perigoso, tecnológico e já agora… falso, só para colocar um pouco de veracidade nesta palhaçada.

Quanto a mim, não tendo testemunhado nenhuma destas histórias, opto pela história real – a do Chico – pois tem tudo o que a história do ciclista tem e ainda mais duas coisas: verdade e sexo, duas maravilhas da humanidade que se querem sempre juntas!

Caparide, 31 de Março de 2019

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