Do Inferno ao Céu



O Inferno
A abertura de um ginásio próximo de casa configurava uma boa notícia pois evitava deslocações maiores – a Oeiras, de longe a melhor infraestrutura da cadeia – sempre que o treino não acontecia em Lisboa: aos fins-de-semana, portanto.
Mal me estreei no novo espaço, situado no Outeiro da Polima, senti pela primeira vez um desconforto que não sabia concretizar. Gosto do ginásio, da cadeia e do conceito mas naquele, as coisas não resultavam como nos outros. Com os treinos seguintes, as razões que me levaram a descartar as idas àquele espaço foram ficando mais claras, até ao dia em que, no final de uma sessão, num domingo à hora de almoço, em conversa com a monitora de serviço, ela me explicou, depois de eu me queixar que aquele complexo era muito pequeno:
- Este ginásio foi o piloto para um novo conceito, uma espécie de ginásio-express, mais pequeno. - Um conceito de merda – pensei – … e que provavelmente não terá sido bem dimensionado – disse eu depois – já que apenas consigo vir à hora de almoço para encontrar as máquinas livres. E os balneários então…
- São muito pequenos não são? – perguntou ela.
- Pequenos?! Se não tenho cuidado ao secar-me ainda “ dou uma esfregadela” no tipo que está ao meu lado! (e ele virar-se-ia para mim com cara de quem pergunta: Vê lá se também mo queres sacudir, caralho? – esta parte omiti da conversa mas não consegui evitar que a imagem visitasse o meu pensamento) – Às vezes afasto-me para o corredor para não correr esse risco!
- Pois… não é lá muito confortável.
- Quando abrir o ginásio na Universidade Nova, em Carcavelos, quero ver se vou lá experimentar.
- Abre amanhã! Eu vou lá ver como é. – respondeu ela de imediato.

O Céu
A irritação com que entrei no ginásio da Nova desvaneceu-se como que por magia assim que me vi naquele espaço (na realidade não me via mas tão-somente aquilo que me rodeava).
Demorei mais de vinte minutos para deixar o carro: não queria estacionar no parque sem saber quanto iria pagar e o bairro limítrofe, que eu conhecia bem porque em tempos um amigo havia lá morado, estava – obviamente! – plantado de parquímetros. Estas paneleirices das economias são aliás das coisas mais sobrevalorizadas do mundo e a faculdade não é excepção: aquele espaço é uma verdadeira Academia de Cagança. Tudo é pago, patrocinado, luxuoso e, pior, inútil (um túnel para os meninos não terem que carregar no botão e atravessar a marginal na passadeira, ao lado de outro já existente a menos de 200 metros, tem o pomposo nome de Beach Way precedendo o nome do patrocinador; e a biblioteca chama-se Library! Bibliotecas são as municipais, dos pobres que gostam de ler, estudar e falar português. Nos sofás do hall daquela Library – que parece o átrio do Waldorf Astoria – deve discutir-se política em inglês! Que cagões!).
Preparava-me para arriscar deixar o carro sem colocar moedas na máquina (afinal eram onze da manhã de domingo) quando vejo um cabrão d’um fiscal, de farda preta e óculos escuros: só lhe faltava o auricular para que, mal ele se virasse para mim eu me sentir o maior criminoso naquele antro de yuppies. Fui falar com ele dizendo-lhe que iria ver onde ficava o ginásio e por isso não iria colocar logo moedas, não fosse andar às voltas naquele cenário futurista. Perguntou-me qual era o meu carro informando-me que tinha quinze minutos de tolerância.
Encontrado o ginásio, arrisquei 1h45m (que deve ter dado outro tanto em euros) e fui para o treino. Irritado.
A irritação com que entrei no ginásio da Nova desvaneceu-se como que por magia assim que me vi naquele espaço.
Foi este o momento em que se fez luz, em que a razão escondida que me desgostava no Outeiro da Polima era no fundo a mesma que ali me motivava, ainda eu não tinha consumido qualquer caloria! Eu pouco ou nada falo durante um treino mas tudo o que me rodeia (tudo mesmo!) pode emprestar à experiência que é treinar, uma viagem à casa dos horrores ou um périplo por um concurso de beleza. A luz natural, que entra por todos os lados, embeleza aquelas máquinas; o envidraçado poente (e único) no raquítico espaço da Polima não conseguia sequer disfarçar as imperfeições que a maquinaria pesada lá tenta corrigir.
Quando voltei à jóia da coroa, informado e aconselhado pela Sandra (tinha direito a hora e meia gratuita), deixei o carro no estacionamento subterrâneo – à rico! Treinei com tal motivação que creio ter batido o recorde de calorias queimadas num único treino. E continuaria ali a treinar e a ver treinar, não fosse estarem a aproximar-se as doze badaladas da hora e meia e eu ter que correr para o duche para não pagar mais de parqueamento do que de mensalidade!
Feitas as contas: Que se lixem os oitenta cêntimos do parque! Se os fins-de-semana são assim, há que fazer uma visita de semana…

Caparide, 20 de Abril de 2019

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