Reminiscências de uma Viagem ao Porto


Um quarto de hotel é dos lugares mais solitários e impessoais do mundo.
Há muito que não tomava o pequeno-almoço num hotel: aproveitei para comer ovos, bacon e feijão; depois: crepes com Nutella, uma combinação aberrante só porque está ali, à distância de um braço e já foi pago. A Nutella não se espalha bem no crepe mas sabe maravilhosamente depois de enrolada na massa. Na primeira tentativa, parte da massa veio agarrada ao creme parecendo as omeletes que eu fazia antes de a Mel me ter ensinado a enrolá-las. À segunda consegui vingar-me num rolo de Nutella com crepe em vez do contrário, enquanto todos permanecíamos mudos na sala durante a refeição. Ninguém conversa ao pequeno-almoço num hotel. Que diferença!
A água do duche aquece assim que se roda o manípulo o que me faz ganhar tempo e poupar água. Já as torneiras com que me cruzei, sem temporizador, desfazem a poupança promovida pelo duche: tal como as luzes, são um perigo e um convite ao desperdício. Não apanhei uma única torneira que não tivesse que fechar a água manualmente durante toda a minha estadia no Porto.
As gentes do Norte são mais abertas mas também mais fechadas: mais simpáticas e prestáveis, carregam também com maior esforço o peso da tradição. Para um turista, o saldo é mais positivo do que negativo, sobretudo quando comparado com as gentes do Sul. Sou do Centro.
O alfa pendular balança (nunca antes o tinha notado) mas não cai. O que também “balança mas não cai é a mulher, um ser de geometria variável” segundo Fortunato Frederico, dono da Fly London a propósito de um determinado tipo de calçado que a marca desenvolveu.
É mais fácil darmo-nos bem com uma pessoa quando a conhecemos mal do que depois de aprofundarmos o contacto. Aqueles com quem continuamos a gostar de estar, apesar de conhecermos o que vamos descobrindo, são aqueles que caminharão a nosso lado. Nada de novo; nada que a vida não esteja continuamente a lembrar.
Na ida para cima, a classe conforto do alfa pendular só tinha uma revista para mulheres. Pedi o Record. No regresso voltei a indagar pelas revistas. Só temos a Prevenir: coisa de gaja novamente. Record novamente. Ambos falavam maioritariamente de clubes que não me interessavam. Mal os abri. O livro que trouxe veio ao Norte fazer de contrapeso no trolley. Não sei se sou eu quem não quer nada com os livros se são os livros que não querem nada comigo neste momento. É uma curiosa questão metafísica sobre a qual não me apetece debruçar. É mais interessante notar que nestas alturas acabo sempre por trazer para uma viagem livros pesados que não vou ler. Faz todo o sentido.
A rede de internet da empresa em Matosinhos é mais lenta do que o William Carvalho na repetição de uma jogada em câmara lenta. Não gosto de computadores mas gosto de internet: outro tema do além que não merece mais palavras.
O Porto é uma cidade bonita onde se come barato (obrigado pelo almoço Patricia!), ao contrário da carruagem conforto do alfa: ali tudo é caro e ninguém fala com ninguém, tal como no pequeno-almoço do hotel.
As chaves de cartão magnético são o maior aborto da natureza desde o aparecimento da formiga de asa: nunca abrem a porta à primeira.
O ruido que as rodas do trolley fazem ao percorrer a calçada atazana-me (palavra poética esta) os ouvidos pela aurora. É de marca boa (foi o meu pai que me ofereceu em tempos; fosse eu a comprá-lo e qualquer “caixote” do chinês servia para, depois dos primeiros dois ou três se estragarem, eu acabar por ir buscar um igual ao que tenho), mas a continuar assim, não aguentará muito.
Gosto de contas à moda do Porto mas gosto mais de francesinhas, n’O Afonso, tendo por companhia o Rui, um herdeiro do Caminho do ano passado.
Com os dados móveis a vapores e as redes da empresa e do alfa e funcionarem pior do que o SIRESP, anseio pelo fim do mês, não pelo ordenado mas para poder estar conectado (não volto a fazer chamadas por Whatsapp utilizando dados móveis). A bateria do telemóvel dura menos tempo quanto maior for a sua utilização durante o dia. Esta foi uma (re)descoberta importante da viagem.
Não jantei em casa da Patricia e do Rui porque ela se esqueceu de me convidar e eu já tinha combinado jantar com o outro Rui. E se bem que este dia e meio tenha tido o aroma de mais uma despedida (é a segunda Patricia!) reforcei a convicção da amizade que nos une (o verso do poema do Alexandre O'Neill que escrevi quando voltaste para o Porto mantém-se tal e qual). As despedidas são fáceis nos livros e nos filmes; para um lamechas são só uma merda.
Na ida para cima, julguei que a localização da carruagem conforto no final da composição estivesse relacionada com uma questão custo-beneficio: quem paga mais, tem direito a usufruir de uma probabilidade maior de não morrer e por isso os lugares mais baratos vão na frente para o primeiro embate, tal como na guerra. No sentido contrário, a carruagem estava à frente, obviamente! Não sei que laivo de burrice me passou pelo cérebro a respeito de uma coisa tão lógica…
No Norte há sandes de panado!

Alfa Porto-Lisboa, 27 de Junho de 2019

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