Interessei-me ainda
não havíamos partilhado o mesmo espaço.
As informações que
amigos, conhecidos e até desconhecidos me haviam passado eram suficientes para acender
a chama da expectativa e comecei de imediato a magicar, imaginar, projectar o
prazer antecipado que o convívio futuro me traria. Apesar de ser feito de
alguns gostos e opiniões desalinhadas com as da maioria (não seremos todos?),
também sou formado por convicções por demais alapadas ao senso comum e por
isso, se tantos diziam bem do motivo do meu fascínio, alguma substância deveria
existir entre nós.
Comecei por rondar
procurando informações na net, qual
predador conhecendo a sua presa. E fui gostando do que me era permitido
descobrir (a net mostra quase sempre
o nosso melhor ângulo). Likes e
elogios imprimiam o melhor cartão-de-visita e alimentavam a minha fantasia! Uma
espécie de amor platónico ia nascendo, até que a proximidade deixou de se
contentar com a virtualidade e pediu mais. Comecei então a marcar presença nos
espaços que frequentava olhando primeiro de soslaio; depois, mais próximo,
tentando fixar o olhar até estabelecer uma ligação e esperar que a química
fizesse o seu papel, o que acontecia quase sempre. Estabelecemos contacto, sem
nervoso miudinho, numa sala onde partilhávamos um sem número de outros dates, até eu decidir que deveria
explorar aquela relação, desvendar as surpresas que ela tinha para me oferecer…
arriscar.
Comecei então a
sentir aquele fascínio que sempre nos traz a novidade por algo que ansiamos, o
frenesim interior, a vontade da estar e descobrir quando a rotina nos empurra
para as obrigações de todos os dias, mais não fazendo do que aguçar esta nossa
exaltação. As borboletas batiam no peito quando a distância se interpunha entre
nós até que, chegado o momento do reencontro, a vontade de acreditar que aquela
relação tinha futuro embaciava os primeiros sinais do desarranjo que eu sabia
existir apesar de não querer ver. Afinal, há que esgotar as possibilidades, dar
oportunidade, insistir e não desistir. Ainda que eu sentisse a máscara que
criara descolar-se de quem lhe havia servido de modelo, recusava-me a constatar
o óbvio, e o óbvio dizia-me para largar e partir em busca de outra experiência,
outra oportunidade para ser feliz. A mensagem não passava entre nós, por mais
que eu tentasse descodificar o que dizia, por mais que me esforçasse para
gostar das suas palavras… mas quando começa o esforço acaba a verdade e essa eu
não queria ver: preferia continuar a acreditar na ilusão que as opiniões alheias
haviam corroborado. O cansaço começou então a tomar conta da vontade,
afastando-a do foco que nas últimas semanas a havia dominado. Os outros podiam
ter opiniões diferentes sobre a melhor atitude a tomar nestas ocasiões mas quem
sentia era eu… foi assim que me larguei da sua presença, sem dramas nem
rancores, e numa fracção de segundo o sonho carregou todo o meu ser até me
encher de novas expectativas, novas experiências por sondar, escolher, conhecer
e perceber se a decisão de colocar de lado algo que não me preenchia abriria as
portas para noites e dias de puro prazer.
Por vezes sim.
Outras não.
De qualquer forma,
apesar de não ter sido fácil adoptar este desprendimento no momento certo para me
decidir pela continuidade ou abandono da experiência, a verdade é que desistir
da leitura de um livro que não nos está a fazer feliz se foi tornando cada vez
mais fácil. Ao contrário de um filme, que ao fim de quinze minutos percebemos
que não vamos extrair nada dali mas cujas duas horas pouco nos roubam da vida,
um livro que não nos completa afasta-nos muito mais tempo da felicidade que
sentimos ao explorar as coisas de que gostamos, e essa não deve ser
desperdiçada com palavras que nada nos dizem.
Há tantos livros na
livraria.
Lisboa,
15 de Julho de 2019
Comentários