Era suposto ser mais prático.
Contudo, a condição de praticabilidade não deveria inviabilizar o carácter utilitário dos objectos. Desde puto, muito antes da ira colectiva contra o plástico que se apossou da sociedade (em grande medida justificada), que me lembro das festinhas de aniversário e das mesas repletas de doces, rebuçados, um ou outro prato com salgados, – cada vez mais, numa correlação quase perfeita com o avanço da idade – bebidas, – cada vez mais alcoólicas noutra correlação, ainda mais perfeita, com o passar do tempo – e as gentes do meio, amigos ou meros conhecidos, dispersos em brincadeiras interrompidas pontualmente por breves investidas à mesa para saciar a tentação com uma guloseima, proibida fora dos períodos festivos, ou, novamente reflectindo os anos que trazemos no corpo e na mente, aglomerados em alegre convívio à volta da mesa, intervalando o copo numa mão e o salgado na outra com uma fuga envergonhada para fazer umas gracinhas com um dos putos presentes, convidado do aniversariante – normalmente o filho de um amigo – para logo regressar ao convívio dos crescidos entre a salutar comida das festanças.
Para além dos inícios entediantes de tais eventos outrora, que progressivamente se iam esbatendo até eu começar a “amigar”, diluindo-me em “mais um” no meio confusão de cumprimentos, conversas interrompidas e brincadeiras mais ou menos inocentes, comportamento e forma de estar que ainda hoje se mantém sempre que tais convívios acontecem, recordo um conjunto de utensílios, presentes ao longo de todos estes anos (já lá vão mais de 30!), que mereceriam ser alvo de um estudo de caso: o plástico presente!
Não creio ter encontrado ninguém nesta meia-vida que já levo, que defenda sem reserva alguma a utilização dos talheres, pratos e copos de plástico, se o critério único para o seu uso for a praticabilidade.
[poderia argumentar que o preço é um fortíssimo factor a favor, tal como a descartabilidade, motivo que recentemente passou a constar nas razões contra o uso de tais objectos, de acordo com o despertar para as preocupações ambientais: não é por aqui que quero ir mas tão-somente seguir o carácter funcional dos “serviços de plástico”.]
Alguém me sabe explicar, por exemplo, para que serve um garfo de plástico? Além da mousse e da gelatina – sobremesas para as quais uma colher é sobejamente mais adequada – onde é que um garfo de plástico espeta sem que se lhe parta um dente? É que nem para comer salada aquela merda é prática pois normalmente nestas festinhas os tomates são cherry e, se 9 em cada 10 vezes não rebolam ao longo do garfo para o meio do chão sempre que os tentamos levar á boca, esguicham por todo o lado quando os espetamos, isto se tivermos a sorte de acertar no tomate e de o garfo permanecer intacto depois da violação do legume. Não vale a pena escrever o que acontece ao tentarmos espetar um naco de frango, outro alimento muito presente nestes eventos, cuja praticabilidade apenas acontece se for comido à mão. Com talheres de plástico é para esquecer!
Poderia alongar-me um pouco sobre as facas, óptimas para barrar manteiga por sinal, mas a problemática redundaria na mesma que nos famigerados garfos: nem para cortar uma fatia de bolo (dos mais macios!) aquilo serve! Talvez para os putos brincarem às casinhas, e mesmo aí, ainda viriam os perigos do costume… pode espetar, vazar um olho, fazer dói-dói… enfim, só servem para fazer lixo!
Aqui chegados, poderíamos pensar que, se os talheres pouca ou nenhuma funcionalidade possuem, os pratos de plástico sim, são muito mais úteis do que os seus congéneres de loiça… pois… pode ser azar ou falta de jeito da minha parte mas não há um, (um único!) que não se dobre, obrigando-me a aprender na escola da vida as mais inimagináveis posições de contorcionismo (yoga para quê?) de modo a evitar lançar a fatia do rolo de carne ou de quiche para a relva; já com as batatas fritas não há salvação possível voando para onde quer que o prato se vire! Os pratos de plástico são tão úteis que basta um leve sopro de vento para aferirmos da sua estabilidade!
Poderíamos encarar os copos de plástico como o elemento salvador da inutilidade completa mas o problema, tal como com os “irmãos”, começa no fabrico, sobretudo na colocação do centro de gravidade: tentar encher um copo de plástico com refrigerante, ou simplesmente com meia dose de água, pode redundar num desafio daqueles… se por acaso tivermos uma mão ocupada a equilibrar o prato cuja distribuição da comida nos leva a tentar nova carreira, a de equilibrista (e por vezes malabarista), o copo ganha vida própria à medida que o líquido é vertido para o seu interior. Mas essa vida, apesar de alguma previsibilidade, não deixa de nos surpreender: ou o cabrão tomba entornando pela mesa, batatas fritas, guardanapos de papel e por vezes um ou outro salgado ou bolo, uma porção razoável do conteúdo, ou inicia uma série de “saltinhos” – qual Jumping Willy! – alinhados com a cadência com que as revoadas de cola ou sumo saem da garrafa…
Se por acaso nos distraímos e enchemos o copo de plástico ligeiramente acima do “ponto de não retorno”, pegar nele pode transformar-se num verdadeiro suplício: se acreditamos que a pressão exercida pelo líquido de dentro para fora vai compensar a força da nossa mão para o segurar, temos a situação equilibrada, mas se acontece um “niquinho” de força a mais da nossa parte, dobramos a merda do copo e, qual erupção do Vesúvio, da cratera esganiçada solta-se um espirro de refrigerante para onde quer que a aleatoriedade da forma do líquido pelo ar e da intensidade da força e da dobragem o lancem!
Foi assim que começaram as minhas preocupações ambientais: copos, pratos e talheres de plástico (excepção feita à colher, a mais nobre representante desta equipa de falhados: uma espécie de Bruno Fernandes dos talheres de plástico): bebo pela garrafa, como o frango, e qualquer coisa que se permita ser servida em fatias, à mão, e assim poupo o meio ambiente e o meu sistema nervoso a duras provações.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2020
Comentários