Segunda-feira,
13 de Abril de 2020
Às quatro e meia da
manhã vim ler para a sala.
Terminado o capítulo,
passava pela televisão uma entrevista feita em 2018 a Carlos Brito. A simpatia
que sinto pela militância comunista sobrepõem-se, muitas vezes, às
incongruências gritantes de uma ideologia que, numa fraternidade maçónica,
optou por fechar os olhos à evidência. Carlos Brito reconheceu erros do passado
(à maneira comunista, é certo, mas a condição de proscrito pelo partido
confere-lhe um estatuto especial dentro do rebanho) e falou do encarceramento e
da fuga do Aljube, dos oito anos de confinamento, da tortura do sono, da
desocupação, da impossibilidade de movimentos… mas também da fuga, em 1957,
junto de uns quantos camaradas, da mesa para onde subiu, saindo de costas pela
janela, dos lençóis amarrados formando a corda que o levou a caminhar sobre o
algeroz, primeiro, e sobre o telhado da casa adjacente, depois, do "maravilhamento" perante a visão de Lisboa nocturna em liberdade, e do miúdo, que
mais tarde viria a encontrar na primeira Festa do Avante, e que lhe disse na
noite da fuga que havia alertado o pai para o barulho de ladrões que andavam no
telhado. O pai mandara-o dormir dizendo que eram gatos. Mal a polícia irrompeu
pelas ruas de Alfama, o rapaz perguntou ao pai:
- Com que então são
gatos, hã?
- Estes senhores
fugiram para que possamos ter uma vida melhor.
Isto soube o
histórico militante dezanove anos depois e concluiu: Foi devido a este apoio
popular que conseguimos implementar algumas das acções que tomávamos.
Queixamo-nos do quê
mesmo? Da quarentena de barriga cheia? Talvez tenha sido para ouvir este
pedacinho de história que a insónia me atacou a meio da noite.
Diário
de Quarentena, Caparide, 13 de Abril de 2020
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