Diário de Quarentena (II)



Sábado, 11 de Abril de 2020


A cama feita de lavado, a banca da cozinha limpa (e quanto cotão “invisível” se soltou da junta entre a parede e a bancada!), uma máquina de roupa feita, roupa apanhada e outra remessa estendida. Duche e pequeno-almoço. Supermercado: compras feitas exclusivamente para a Miguel e para a Luísa (e o jornal para o meu pai).
O antigo normal pede treinos de adaptação quando o novo normal resiste na inércia instalada: fiquei cansado com um conjunto de tarefas que antes não me apoquentavam por aí além. Em abono da verdade, eu não fazia a cama nem limpava a casa e só de vez em quando tratava da roupa. Contudo, a ida ao Continente de Tires pelas dez da manhã teve como consequência trinta minutos de leitura de um capítulo de Para Sempre na fila para entrar, ao sol, que começou por saber a gingas e que acabei no habitual desconforto que me acomete quando passeio na fronteira do suor, sempre que aguardo por algo ou alguém à torreira.
Na entrega ao domicílio, nem o facto de ter entornado o amaciador da roupa pela papelada que tinha espalhada na mala do carro me irritou (em vez de amaciar, deslizou…): a quebra da rotina viaja nestas ambivalências… o que antes sentíamos revisita-nos quando o revivemos, mas a realidade que abruptamente interpusemos entre a vida que nos habitava e aquela que agora nos é possível, oferece novas sensações. Umas vezes surpreendemo-nos com o que vemos acontecer-nos; outras surpreendemo-nos com o que vemos acontecer àquele que éramos poucas semanas atrás.

Segunda-feira, 13 de Abril de 2020

No regresso da farmácia, onde fui à hora de almoço comprar o shampoo, reparei em quatro bancos de jardim e duas mesas para a sueca no pequeno largo do chafariz. Tenho um medo disto disse-me um dia o meu pai, pouco antes de se reformar, ao ver os velhotes jogarem à sueca na praça da Carreira enquanto outro se demorava na quietude dos dias.
Eu gosto de ler na esplanada; e os bancos daquele largo tão junto a mim poderiam bem servir de poiso à minha leitura. Oscar Wilde escreveu que a tragédia da velhice não é ser-se velho mas ser-se novo. Quem sou eu para assumir que um velho desperdiça a vida enquanto joga às cartas? Talvez eu seja mais velho do que eles em certas variantes da vida e mais novo noutras; talvez todos nós sejamos demasiado velhos em algum trajecto deste reticulado e demasiado jovens noutro. E ainda que assim seja, a velhice pode trazer a experiência e a plenitude do olhar sobre o mundo; e a juventude pode acarretar uma dose de imaturidade que não combine com uma convivência saudável.

António V. Dias
Diário de Quarentena, Caparide, 11 e 13 de Abril de 2020

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