Herói

 

A duas semanas de eu completar dez anos o Benfica foi às Antas vencer o Porto e o campeonato. Diz-se ter sido o campeonato de todas as polémicas. Não o recordo mas, a avaliar pelo que mais tarde viria a ser destapado, em nada me surpreende.

Na altura, muitas partidas jogavam-se aos domingos à tarde, sem direito a transmissão televisiva e aquela não foi excepção. Sem acompanhar o jogo pela rádio (pelo menos de tal não tenho memória), recordo ter visto o resumo nessa tarde, pouco depois do apito final, no Desporto 2 (ou algo assim). À noite certamente que o Domingo Desportivo (também na RTP2) terá feito as minhas delícias mas do que me lembro mesmo é dos cinco minutos em que pude ver os lances capitais para ficar a admirar para a posteridade o herói acidental da época de 90/91: César Brito.

O jogo veio-me à memória por ter lido na Tribuna Expresso a entrevista feita ao autor dos dois golos do Benfica nos oito minutos finais de uma partida em que a equipa teve que se equipar no corredor pois o Porto havia empestado o balneário da equipa visitante!

Eram os tempos do guarda Abel e de José Pratas a fugir dos jogadores em pleno relvado… a história dessa época daria um filme, com João Santos a assistir ao jogo no hotel após ter sofrido ameaças de morte e o vice-presidente, Jorge de Brito, a sair das Antas escondido numa Ford Transit!

Contudo, não são os podres que pretendo realçar mas sim o homem: voltando ao nosso herói, a entrevista mostra uma pessoa humilde e arejada dos constrangimentos da vida, que veio da Covilhã para o Benfica onde permaneceu dez anos – dois deles emprestado ao Portimonense – marcando vinte e um golos. Quis o destino que dois desses golos tivessem acontecido nas Antas, nas referidas circunstâncias, oferecendo um título do qual não mais será possível dissociar o seu nome.

A entrevista está muito bem feita e as respostas dadas pelo ex-jogador mostram-se à altura, revelando o homem por trás do brilho das luzes: os anos “dourados” que passou em Salamanca onde conheceu e passou a admirar o amigo Pedro Pauleta, a elegância com que recusa falar da passagem de Artur Jorge pelo Benfica, o regresso à terra natal mal pendurou as chuteiras ou a perda da filha, ainda bebé, num acidente de viação. Ele e Paula, a mulher, não voltaram a ter filhos.

O acidente terá acontecido em 1988, três anos antes.

A partir deste ponto, as respostas seguintes trouxeram-me um respeito que a descontração com que li a primeira parte do texto não havia realçado.

O regresso ao Barco, freguesia do concelho da Covilhã de onde César Brito é natural, os negócios que teve e o apego que, depois de Lisboa, Portimão, Salamanca e Mérida, sentiu para regressar às origens ganharam um novo significado.

Para mim, César Brito sempre havia sido sempre o avançado dos dois golos míticos nas Antas; nunca o pai que perdera a filha ao volante, quando regressava à terra para as férias de final de época.


Caparide, 8 de Julho de 2020


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