O Natal não é o mesmo em todo o mundo apesar da palavra comum à qual pespegamos a alegria, música, presentes, família e presépios.
O Natal não é o mesmo
para cada um de nós, evocando um sem número de memórias, ora tristes ora alegres,
mas sempre com este imaginário como pano de fundo, onde projectamos uma
infinidade de lares esbanjando felicidade nesta noite, à mesa ou à lareira,
como se o cinema, a publicidade (e agora as redes sociais) se multiplicassem pela
realidade que é sempre tão diferente daquilo que queremos mostrar.
Gosto do Natal q.b.
Já tive Natais muito felizes e outros muito tristes. Recuso-me a alinhar na
pressão dos brilhantes, bolinhas e coros nas lojas por trás de montras que,
mais do que um sorriso, me dizem que não é ali que eu pertenço. Também me
recuso a alinhar na depressão que a alguns por vezes diminui quando se comparam
com esta imagem tão idílica. O Natal é o nosso Natal, o que lutamos para que
ele seja; umas vezes precisamos de lutar muito e ele não descola do fundo da escala
de felicidade, e noutras pouco ou nada contribuímos para a sorte que nos coube
quando tropeçamos num Natal radioso.
No Sul o Natal
acontece no Verão (lembro-me da excitação da Mel quando veio da Argentina
passar o seu primeiro Natal à Europa: Um Natal com neve!), desfazendo desde
logo todo este imaginário para uma boa parte da população do planeta.
Mas não é bem isso… são
os mais queridos que partiram e a amarga tristeza que a alguns acompanha que
ganham vida nesta época, como se a celebração da vida por excelência alimentasse
a incapacidade de a comemorar; é no Natal que os nossos sentimentos mais
profundos, os nossos desejos mais íntimos, os nossos recalcamentos mais envergonhados
ou os nossos traumas mais marcantes nos atingem; é no Natal que esta
bipolaridade nos revela que não somos as montras nem as Barbies dos
anúncios mas meros seres humanos, com fragilidades mas também com a
possibilidade de as superar.
Não adoro nem o
abomino o Natal. É uma festa bonita, com alguma hipocrisia, é certo, mas, por
mais que não seja, pelos doces, é uma festa em que vale a pena apostar. Apostar
que somos capazes de nos alhear de todos os outros Natais para vivermos a nossa
própria noite, sem deixarmos de ter presente o quanto podemos fazer durante o
ano para que o Natal daqueles que este ano não o podem passar com um sorriso,
seja um bocadinho mais suportável da próxima vez.
O Natal não tem que
ser necessariamente alegria, mas também não é imperativo que nos arraste para a
tristeza onde as memórias e as circunstâncias por vezes nos empurram.
O Natal é apenas
isso, o Natal, como o Carnaval ou a Páscoa, festas que não me dizem absolutamente
nada, ou como os Santos Populares ou as festas de Verão, celebrações que este
ano plantaram em mim uma enorme saudade.
Podemos não gostar do
Natal e vivê-lo bem, tal como podemos venerá-lo e desaproveitá-lo por completo.
No fim, aquilo que resta é uma porção de presentes completamente ao lado, que
nos atiram para a esquizofrenia das trocas mescladas com saldos (este ano com o
brinde dos horários do confina-desconfina obsessivo-compulsivo à deriva), uns quilos
a mais que dificilmente nos vão deixar queimar nas habituais enchentes dos
ginásios pós-alarvidade, e o regresso à normalidade para tantas vezes olharmos
para trás e dizermos: Era mesmo necessária toda esta palhaçada de compras e
comida em contra-relógio?
Para alguns talvez fosse;
outros passariam bem sem ela. Mas no fim, nunca deixo de me alegrar com um
certo regresso à normalidade, Ok, já acabou o disparate das encomendas que
não chegaram a horas, dos sonhos que vão mirrando com o tempo por terem sido
planeados para todo o bairro, ainda que em casa não caibam mais de dez pessoas
(e mesmo assim bem apertadinhos – não este ano porque se um tosse fica a festa
estragada) ou das mensagens vindas dos confins das amizades de um passado
longínquo com palavras fofinhas como se tivessem vindo das nossas melhores
pessoas (e o mais curioso é que ainda somos capazes de nos comover com isso…
Lembrou-se de mim!... ao mesmo tempo que nos fustigamos… E eu nunca
mais lhe disse nada…).
Enfim: haja tinto e bacalhau
e siga para bingo. Viva o Natal!
Rinchoa, 24 de Dezembro de 2020
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