Neo-Realismo

Embora o Neo-Realismo não seja o meu movimento de eleição, está a ganhar pontos. E muito ”por culpa” de dois filmes que vi nos últimos meses.
Até há uns 4 meses atrás, havia apenas visto um filme deste período tão curto mas tão intenso do cinema europeu (sobretudo italiano). E foi logo um dos melhores. Chama-se Ladrões de Bicicletas (1948) e foi realizado por um dos mestres do género: Vitorio De Sica. É, de longe, um dos melhores filmes de sempre (a minha lista dos melhores filmes de sempre vai para mais de 100 títulos…).
Com a descoberta do cinema antigo em ambiente de sala de cinema, redescobri a magia do Neo-Realismo (entre várias outras magias) pela câmara de Roberto Rossellini, outro gigante do cinema europeu do pós-guerra.
Germania Anno Zero (1948) e Roma, Cidade Aberta (1945) fazem parte de uma triologia (juntamente com Libertação (1946)) de Rossellini sobre a dureza dos anos de rescaldo de uma Europa a braços com uma das mais duras reconstruções da sua história.
O Neo-Realismo caracteriza-se por mostrar a realidade nua e crua, sem artifícios nem dramatismos sendo, por isso mesmo (e paradoxalmente), mais dramático do muitas das tendências melodramáticas que caracterizariam muito do cinema que se fez posteriormente.

Que aperto nos consome quando observamos uma história como a que se desenrola em Ladrões de Bicicletas e como nos identificamos com as duras condições em que se movem os pobres… como nos é dado um vislumbre de compreensão por algumas atitudes que não equacionamos tomar quando ousamos julgar as mesmas do pedestal simplório do nosso ponto de vista altivo…
Como podemos ficar indiferentes ao crescimento forçado de Edmund, o jovem de Germania Anno Zero, que percorre as ruas de Berlim destruída pela guerra, rumo a um final que nos desafia a revisitar todo o sentido da vida (e o significado da guerra)?
Como não suster a respiração perante uma das cenas mais famosas e brutais que vi ultimamente em cinema (http://www.youtube.com/watch?v=-5MMIMKhJNs), representada pela magnífica Anna Magnani no seu último take em Roma, Cidade Aberta?

A consciência do tempo que vivem é outra das marcas fortes destes filmes. Um evento da dimensão da Segunda Guerra deixa marcas fortíssimas, mas conseguir retratá-lo no momento, e com o espírito crítico que para muitos de nós só a passagem do tempo o permite, é também o que eleva estes homens e coloca estes filmes na galeria dos melhores.
Os filmes que representam o Neo-Realismo, de tão brutalmente reais que são, encostam-nos às cordas do conforto do nosso tempo, para nos lembrar como a dureza da vida está ao virar da esquina. A aparente simplicidade de génio de gigantes como De Sica ou Rossellini fizeram perdurar no tempo uma realidade que nos é incómoda revisitar, mas que convém lembrar de tempos a tempos, não como qualquer tendência masoquista de auto-flagelação, mas para que mantenhamos a consciência de que o trabalho por um mundo melhor é uma constante e um bem inestimável(mente actual).

PS: Falta-me ver Umberto D para a lista dos melhores ficar completa.

Comentários