O Ser e o Mundo

“Pode chover ou abater-se uma tempestade, mas não é isso que conta; uma pequena alegria pode surgir frequentemente num dia chuvoso e fazer um homem parar algures, para ficar sozinho com a sua felicidade, ou então levá-lo a levantar-se e olhar para diante, independentemente do sítio onde se encontre, para depois se rir tranquilamente uma e outra vez, enquanto observa tudo em seu redor. O que é que existe à nossa volta que nos faça pensar? Uma vidraça límpida de uma janela, um raio de sol na vidraça, o avistamento de um regato ou talvez uma faixa de azul entre as nuvens. Não é preciso mais do que isso.
Noutras alturas, mesmo os acontecimentos pouco habituais são insuficientes para retirar um homem do aborrecimento e da pobreza de espírito; pode-se estar no meio de um salão de baile e mesmo assim permanecer-se impassível, indiferente, sem se ser afectado por nada.”

(…)

“Estava tudo quieto e tranquilo. Passei aquele fim de tarde à janela. Àquela hora, um brilho feérico pairava sobre o bosque e sobre o campo; o sol já se tinha posto e tingia o horizonte com uma bela luz vermelha, que permanecia imóvel, como num óleo. O céu estava completamente límpido; observei aquele mar translúcido e fiquei com a sensação de me encontrar face a face com a maior profundidade do mundo; o meu coração batia intensamente diante dela, sentindo-se em casa. Só Deus sabe, pensei para mim próprio, só Deus sabe por que motivo o céu está vestido em tons de ouro e malva esta noite, só Ele sabe se não estará a decorrer algum festival no mundo lá de cima, alguma festa grandiosa com música das estrelas e barcos a deslizarem nos cursos de água. Parece-me que sim! Então fechei os olhos, segui os barcos e os pensamentos fluíram uns após os outros na minha mente…
Assim se passou mais um dia.”

Knut Hamsun in Pan

Comentários