A Impiedade do Tempo (por Vassili Grossman)

“O tempo é o meio transparente onde os homens nascem, morrem e desaparecem sem deixar marcas. No tempo nascem e depois desaparecem das cidades. O tempo as traz e o tempo as leva.
Mas uma compreensão muito diferente do tempo acabava de nascer em Krymov. Essa visão particular que faz dizer: «No meu tempo… Não é do seu tempo…»
O tempo corre no homem, no Estado, aninha-se nele e depois vai-se embora, desaparece, enquanto o homem, o Espaço ficam… O Estado-reino ficou, mas o seu tempo partiu… O homem aí está, mas o seu tempo voou… Onde está ele? Eis um homem; respira, pensa, chora, mas esse tempo único, particular, que lhe é próprio e que só a ele pertence, esse tempo partiu, voou, desapareceu. Mas o homem fica.
Nada mais duro que ser órfão do tempo. Nada mais duro que a sorte do mal-amado que não é do seu tempo. Os mal-amados do tempo conhecem-se imediatamente, nos serviços de pessoal, nos comités do partido, nas secções políticas do Exército, nas redacções dos jornais, na rua…
O tempo só ama aqueles que gerou, os seus filhos, os seus heróis, os seus trabalhadores. Jamais, jamais amará os filhos do tempo passado, as mulheres não amam os heróis do tempo passado, e as mães não amam os filhos dos outros.
Tal é o tempo; tudo passa e ele fica. Tudo passa e só o tempo se vai. Como o tempo passa facilmente e sem rumor… Ainda ontem estavas seguro de ti, alegre, cheio de forças, filho do teu tempo. Mas hoje está aí outro tempo e tu não te apercebeste disso.”


Vassili Grossman in Vida e Destino Vol. 1 [Inquérito]

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