A Câmara dos Horrores

Não é que eu seja piegas com estas coisas (sou com o que não devo ser e não sou com o que outros são, embora nem sempre o mostrem), mas quando me golpeiam a carne com os mais sofisticados aparelhos de tortura e ainda me vão à carteira por isso, e eu pago sem protestar, algo não bate certo.
Paguei adiantado (primeiro sinal de que o cérebro nem sempre responde a tempo) um montante correspondente a dois meses de poupança! Claro que a sensação de que fui enganado (expressão cândida nestas situações) aflorou “levemente” ao meu pensamento…
Tive hoje a primeira de três sessões com para justificar a razia feita à minha conta bancária… embora com a saúde não se brinque, quando me apanho em situações destas, fico sempre com a sensação de que não tenho jeito para o negócio… eu que tenho que trabalhar a sério para ganhar algum dinheiro… que estúpido!
Chegado ao consultório do Dr. Mengele, percebi de imediato, ao ver aquela Casa do Terror, porque gastei com ele uma parte do carro que ia comprar (ia… já não vou): ao lado do tabuleiro com os mais refinados instrumentos de tortura que a tecnologia do séc. XXI produziu, estava uma cadeira reclinável à qual só faltavam os cintos e os terminais de electrocução para o cenário ficar completo.
Uma assistente tão simpática quanto a Frau Helga (da série Allo Allo) fazia pandam com o Dr. Horror.

Após me ter sentado e me ter sido posto um babete, imediatamente uma televisão começou a cuspir imagens mais impressionantes do que eu alguma vez poderia imaginar: os golos da vitória do Sporting no dia anterior (os golos do Benfica transmitidos logo de seguida aplacaram um pouco a minha ansiedade).
A cadeira começou lentamente a reclinar, até eu ficar quase indefeso perante a Bela e o Monstro que eu via contra luz acima de mim.

O som maravilhoso das brocas e do “sugador” prepararam-me para o que aí vinha.
Mas quando vi a broca começar a desfazer-me o dente (já desvitalizado, é certo) sem que a injecção mágica de anestesia tivesse sido dada antes, pus-me em sentido, à espera da primeira guinada daquele berbequim em miniatura na mão do carrasco.

“Se doer avise ok?”

Obrigadinho pela atenção! É que nem tinha pensado nisso: por acaso, se doer, estava mesmo a pensar em ficar calado e aguentar até ao fim que sua excelência me abrisse uma cratera do palato até ao cérebro! FDS!
Sem anestesia!
Às tantas, começo a sentir uma ligeira dor… mas não no dente: na gengiva: fiz o sinal combinado, mas teve o mesmo efeito que o sinal universal de “OK”: a “broquinha” foi substituída por outra mais grossa, e o festival de rasgar carne continuou.
Ao segundo sinal de dor, após ter franzido o sobrolho, Mengele saiu-se com esta pérola:

“Tenho que cortar um pouco abaixo da Gengiva.”

Foi música para os meus ouvidos: após esta suave e relaxante afirmação, fiquei muito mais descansado.
A sessão continuou para deleite dos experimentalistas e para meu calvário.
No final:

“Sente-se uma “bicadazinha” quando chega à gengiva, não é?”

Uma “bicadazinha”?! “ZINHA”?!
FDS! Do que me lembro das aulas de gramática, não foi para estas situações que eu aprendi que os diminutivos deveriam ser usados. Ou era ironia, ou o tipo era mesmo sádico.
Ao sair olhei para as mãos: mesmo com as unhas cortadas, conseguia ver as marcas cravadas nas palmas, enquanto via ora os golos do Benfica, ora os do Sporting.
O que quer que fosse, uma coisa é certa: o duo maravilha vez valer cada cêntimo que paguei nesta experiência fantástica. Um bocadinho maia cara que a saudosa e velhinha “Casa do Terror” da Feira Popular, mas muito mais imprevisível.

Comentários