A apologia do regime soviético - Sergei Eisenstein e a propaganda

A propaganda tem andado de mãos dadas com o cinema ao longo da História (veja-se o adiamento da estreia do filme de Kathryn Bigelow sobre a operação que levou à captura de Bin Laden: foi postecipada para Dezembro, após as eleições presidenciais americanas, pelo facto do arrumar do assunto “Bin Laden” ser um trunfo de campanha de Obama).
O séc. XX assistiu a diversos casamentos entre política e cinema, tendo a Guerra-Fria perpetuado esse matrimónio com mestria.
Eisenstein foi um dos primeiros realizadores a fazer uma utilização explícita da propaganda nos seus filmes. E que filmes!
Vi recentemente Outubro (Oktyabr, 1928). Já havia visto O Couraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin, 1925) e qualquer um dos dois, para além de fabulosas máquinas de propaganda, são grandes filmes.

Pessoalmente, gostei mais de O Couraçado Potemkin, um filme sobre a insurreição da tripulação de um barco devido às péssimas condições em que trabalhavam e o esmagar dessa mesma revolta pelas tropas leais ao regime czarista. O filme é uma obra-prima, com o primor da montagem como só o cinema mudo consegue fazer sobressair. As sequências são alucinantes e é incrível como fiquei com a sensação de que ouvi tudo o que era mostrado: o movimento, as expressões, até as indicações… tudo possui o ruído da revolta.
A sequência do massacre na escadaria de Odessa é algo que só está ao alcance de um génio. Falar assim de uma cena brutalmente violenta pode parecer um contra-senso, mas se avaliarmos a cena pelo quanto o autor conseguiu atingir em relação ao que tinha idealizado, então esta cena tem nota máxima.

Outubro é um filme mais histórico, dando menos liberdade ao realizador para soltar a imaginação no que respeita ao desenrolar dos acontecimentos. Claro que a roupagem que lhes deu tinha já que ver com o que viria a ser uma das imagens de marca dos regimes comunistas do séc. XX: a propaganda através da cultura, educação e desporto. De qualquer modo, como a história de Rússia no séc. XX é das matérias de que mais gosto em História, admito ter alguma predisposição para elevar estas obras acima do que seria suposto. Contudo, estes dois filmes são invariantes à minha opinião: no que toca ao reconhecimento mundial, e independentemente do tema ou simpatia política, são reconhecidos como grandes obras em qualquer lista dos grandes filmes do séc. XX.
O levantar das pontes de Petrogrado está para Outubro como a escadaria de Odessa está para O Couraçado Potemkin: com uma serenidade arrepiante, Eisenstein filma um dos episódios que se passou entre Fevereiro e Outubro de 1917 e que, eventualmente, viria a contribuir para a vitória Bolchevique.

Vi em 2010, no Estoril Film Festival, um documentário de 3 horas sobre o ditador romeno Ceausescu: Autobiografia de Nicolae Ceausescu (Autobiografia lui Nicolae Ceausescu, 2010). Um filme sem qualquer relato, onde o realizador Andrei Ujica utiliza apenas imagens de arquivo, desde a chegada de Ceausesco ao poder até ao seu linchamento em 1989.
É um retrato fantástico do comunismo no leste europeu no século passado e um desmascarar das máquinas de propaganda partidárias, vistas “do outro lado da queda da cortina de ferro”, sem a arma apontada à cabeça de quem pretende realizar uma obra com um olhar crítico ou apenas neutro. Se algumas cenas hoje são verdadeiros documentos históricos, outras parecem-me patéticas, como a visita de Ceausescu à Coreia do Norte, com todo o carnaval que a envolveu… o mais irónico é que esse mesmo carnaval continua a existir hoje na mesma Coreia do Norte, com pomposas paradas militares e adorações doentias ao líder, pondo nu a grande fragilidade dos regimes comunistas: raramente chegaram ao poder por eleições, mas quase sempre por via da força e raramente se mantiveram no poder por vontade popular, mas antes por via do medo e da repressão. Estranho, para uma ideologia que se diz “do povo"...

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