Os "novos" melhores de sempre



Não sou fã incondicional de Citizen Kane (O Mundo a Seus Pés, 1941).
Com todas as questões subjectivas que uma lista top tem, é agradável quando vemos ser reconhecido um filme de que gostamos e A Mulher Que Viveu Duas Vezes (Vertigo, 1958) é um desses filmes.
Não sei se, como sugere a notícia, se a alteração da escolha (O Mundo a Seus Pés havia permanecido em nº1 por 50 anos!) reflecte uma tendência cultural ou apenas algo circunstancial. Seja como for, colocar um filme de Hitchcock como melhor de sempre é um acto de coragem: porque se é unanimemente reconhecido como “entre os melhores”, dificilmente é colocado como o melhor, talvez pelo género de suspense não se prestar a isso.
O filme é uma obra-prima (como muitos filmes de Hitchcock – não é o meu preferido dele). Uma mistura entre o drama e o suspense que deriva numa surpresa desconcertante que só me deixou estarrecido da segunda vez que o vi. Da primeira achei um filme até bastante banal. A obsessão de James Stewart por Kim Novak é apenas um dos muitos atributos que este filme tem: um homem fragilizado por um “amor” a uma mulher parecida com outra que ele conhecera, e essa obsessão levá-lo-á a testar os seus próprios limites.
Gostei de ver outro filme de que muito gosto em 4º lugar: A Regra do Jogo (La Regle du Jeu, 1939), filme sobre o qual escrevi aqui há meses, e que, muito merecidamente está presente nesta lista: é a conjugação perfeita entre drama e comédia.
Mas o que mais gozo me deu nesta notícia foi a inclusão 2001 – Odisseia no Espaço (2001, A Space Odissey, 1968). Surpreendente é para mim o facto deste filme se manter (e porventura subir) na hierarquia dos gostos dos críticos, mas sobretudo do público. Um filme que praticamente foi dizimado no momento da estreia, sobreviveu e venceu.
Talvez, numa época em que o questionar o desconhecido deixou de ser um monopólio da Filosofia, da Ciência ou da Religião, 2001 vai avançando ao longo do tempo com uma actualidade cada vez mais premente, prova de que estava muito à frente do seu tempo. O lugar do Homem no Universo é questionado por Kubrick (e Arthur C. Clarke) numa viagem que é também a nossa: em 2001, não somos meros espectadores: somos tripulantes da Discovery rumo ao desconhecido, o mistério materializado no monolito por trás de Júpiter, somos companheiros de viagem de Dave Bowman e com ele partilhamos o horror claustrofóbico de um duelo com a máquina aparentemente inteligente e infalível, ao mesmo tempo que sentimos a incerteza tomar conta do seu futuro, um futuro tão em aberto, mesmo quando revelado, quanto é o nosso próprio.
O lugar do Homem na História é outro aspecto de 2001, numa sugestão de que o processo evolutivo pode decorrer de eventos extraordinários que quebram a estrutura dos acontecimentos, permitindo saltos evolutivos (e mesmo a nível da consciência) e pode nem sempre ser linear no tempo, vindo de um passado para um futuro.

Continuo a achar estranho que o filme se mantenha popular: porque não é um filme fácil de ver (em diversos aspectos, técnicos, narrativos), porque é muitas vezes colado a um certo snobismo, porque põe em causa a visão que alguns têm da existência
Gostava de o ver na Cinemateca (se continuar a existir Cinemateca): é seguramente um filme que ganha muito no grande ecrã.

Em resumo: uma lista equilibrada onde pontuam bons filmes comerciais (algo que muita vezes é colocado em oposição): dos 6 filmes da lista que vi, 4 são muito pacíficos no que toca ao cinema de massas (2001 e 8 ½ definitivamente não o são). É por causa da qualidade e da diversidade de filmes como Vertigo e 2001 que o cinema é, para mim, a forma de arte que me consegue provocar sensações mais fortes… e estas 2 obras são disso os exemplos ideais.

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