O Cavalo de Turim




Desolação.

O Cavalo de Turim (A Torinói Ló, 2011) é um filme “duro” de ver, pela forma superiormente estilizada com que foi filmado, mas não podia ser de outra forma: filmar o desconsolo de uma vida sem sentido aparente não carece de espalhafato ou mesmo de uma tentativa, ainda que ténue, de mascarar a mensagem que se pretende despida, de um género mais comercial.
Béla Tarr, realizador húngaro, é conhecido por um cinema muito próprio (poucos planos e durações longas dão em planos prolongados – um dos seus filmes tem mais de 6 horas…). O Cavalo de Turim tem cerca de 146 minutos e pouco mais de 30 planos.
Vencedor de dois dos mais importantes prémios no Festival de Cinema de Berlim em 2011 - Grande Prémio do Júri e Prémio FIPRESCI (prémio da Federação Internacional de Críticos de Cinema) – O Cavalo de Turim teve o “azar” de competir, nesse ano, com uma das obras mais geniais dos últimos anos, Uma Separação (Jodaeiye Nader az Simin, 2011) do iraniano Asghar Farhadi, o qual recebeu o Leão de Ouro.
Em 1889, O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, ao ver um camponês chicotear o seu cavalo por este se recusar a andar, perto de Turim, abraça-se ao animal e entra de seguida em colapso. Este acontecimento marcou a sua entrada num período de 11 anos de loucura que só a morte foi capaz de aplacar. Dos camponeses (pai e filha), a História nada reteve. O filme acompanha a vida destes dois supostos insignificantes nos dias seguintes a este importante acontecimento na História da Filosofia.
A brutalidade de uma vida sem sentido é maravilhosamente captada pela impiedosa câmara de Béla Tarr, a rotina repetida pela eternidade dos dias, mesmo que apresentada em cada dia de um ângulo diferente, não deixa de não ter sentido. Porque se a rotina é importante para o equilíbrio da vida, “sacudi-la” com “pequenos eventos extraordinários” é-o tanto ou mais.
Dois acontecimentos marcam a relação com Nietzche: a visita de um vizinho (espírito do filósofo?) cujo discurso catastrofista e anti-Deus bem que poderia ser a resposta de Nietzsche ao acontecimento que o levou à loucura; e a leitura de um livro pela filha, que põe em causa a acção da Religião nos locais sagrados perante atrocidades por ela cometidos.
A recusa do Cavalo em obedecer a quem o chicoteia (talvez por ter testemunhado que há homens que podem sofrer por ele?), a secagem do poço ou a continuidade da tempestade, tudo num deprimente preto-e-branco pintado pela ausência de voz, pela permanência das rajadas lá fora e por uma banda sonora carregada de oportunidade apenas reforçam o destino destes dois pobres.
Mesmo a tentativa de fugir ao marasmo desolador que a simples passagem pela vida destes dois seres constitui é gorada: a escuridão final, ao 6º dia, o dia em que a tempestade se desvanece, é o pronuncio do quanto aqueles dois seres tão simples acompanham o grande filósofo no seu destino. As suas vidas não se cruzaram num ponto isolado do tempo mas permanecem ligadas.

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